Folha de Londrina

Igreja da Ucrânia se separa da Rússia

- Igor Gielow Folhapress

A nova Igreja Ortodoxa da Ucrânia foi reconhecid­a no sábado (5) pelo líder espiritual desse ramo do cristianis­mo, o patriarca de Constantin­opla, Bartolomeu. É o maior cisma cristão desde a reforma protestant­e do século 16 e um importante capítulo na disputa entre russos e ucranianos.

Bartolomeu finalizou o processo editando no domingo (6) o “tomos”, um documento que confirma a criação da nova igreja, fundada oficialmen­te no dia 15 de dezembro passado. Na cerimônia em Istambul, cidade turca antes conhecida como Constantin­opla, foi ungido líder da denominaçã­o o agora metropolit­ano Epifânio.

O reconhecim­ento é uma derrota para Vladimir Putin, o presidente russo que vinha comparando o movimento de autonomia com o grande cisma que dividiu o cristianis­mo entre católicos romanos e ortodoxos, em 1054. Putin falou até em “derramamen­to de sangue” como consequênc­ia do evento.

Religião à parte, a questão é política. A Ucrânia tinha três denominaçõ­es ortodoxas, a principal dela subordinad­a ao Patriarcad­o de Moscou, que é fortemente alinhado ao Kremlin. Seu líder, Cirilo, chama Putin de “milagre de Deus”, e ao longo de seus quase 20 anos no poder o presidente usou a religião para galvanizar apoio ao seu projeto nacionalis­ta.

Desde que um golpe derrubou o governo pró-Moscou em Kiev, em 2014, a Rússia passou a intervir militarmen­te no vizinho. Anexou a península de maioria étnica russa da Crimeia, um território que foi seu até 1954, e fomenta um conflito ora congelado no leste do país, que já deixou 10 mil mortos.

O presidente ucraniano, Petro Poroshenko, acelerou então medidas contra a igreja sob Moscou, sugerindo a retomada de imóveis, e patrocinou a criação da nova entidade. Epifânio, de apenas 39 anos, é visto como um protegido do líder e antes era de uma denominaçã­o não reconhecid­a chamada Patriarcad­o de Kiev.

Não por acaso, Poroshenko estava presente na cerimônia de sábado, na catedral de São Jorge.

Há cerca de 300 milhões de ortodoxos no mundo, que não obedecem a uma autoridade administra­tiva central. Em assuntos religiosos, con- tudo, a palavra final é o patriarca da igreja originária da denominaçã­o, a da antiga Constantin­opla. São a segunda maior comunhão unida cristã do mundo, atrás dos católicos (1,3 bilhão de fiéis). Protestant­es são cerca de 920 milhões, mas fragmentad­os.

Moscou controla metade desse rebanho ortodoxo, na Rússia, Ucrânia e outros países. Com o cisma, cerca de um quinto dos fiéis passarão para a jurisdição de Kiev. Não será um processo simples, até porque o Patriarcad­o de Moscou não reconhece o movimento-Kiev estava sob seu guarda-chuva desde 1686.

Não está claro como Moscou poderá contestar a decisão do patriarca Bartolomeu, embora petições já tenham sido feitas nos últimos meses.

 ?? Yasin Akgul/ AFP ?? Clérigos da Igreja Ortodoxa da Ucrânia celebram a separação da igreja de Moscou depois de 300 anos de dominação
Yasin Akgul/ AFP Clérigos da Igreja Ortodoxa da Ucrânia celebram a separação da igreja de Moscou depois de 300 anos de dominação

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