Folha de Londrina

Jardinando

- D.pellegrini@sercomtel.com.br

Jardins já foram à guerra, é: lá no tempo dos castelos, reis e duques disputavam ostentação através de jardins. Por exemplo a parisiense Avenida dos Campos Elíseos é continuaçã­o de alameda também quilométri­ca de grande castelo. Os gramados surgiram como expressão de poder dos nobres palacianos e depois dos burgueses com suas mansões, onde mestres jardineiro­s comandavam batalhões de enxadas na luta das vaidades.

Já nós aqui em chácara nova, batendo picareta para destorrar terra compactada por terraplena­gem, temos só o poder de pedir chuva e agradecer pelo suor que encharca o macacão e assim nos refresca. O corpo chega à noite com o ancestral cansaço do trabalho braçal, e nas ferramenta­s se esvaem os rancores; plantar a flor já é florir por dentro.

Fazer jardim já é florescer em mim

Como o principal órgão humano é o ego, fazer jardim também é colocar tua assinatura na paisagem, fazer ficar do teu jeito um pedaço de mundo. Você ganha também uma grande relação, conforme o jardim se implantand­o vai passando a comandar quem planta, pedindo ajustes, podas, revisões e reformas. E, enfim, quando você pensa que o jardim está ficando com a tua cara, vê que é bem mais, é a consagraçã­o de tua relação com a terra e o tempo.

Teu jardim é a cara da tua alma

Jardinando você tem nas mãos o bem mais precioso do planeta, a terra, tão humilde quanto insubstitu­ível. Terra não tem a dureza da rocha nem a nobreza da água, mas no fim das contas vale mais que a beleza das joias se só com terra temos vida. E parece haver tanta terra mas a crosta terrestre é apenas 1% do planeta, incluindo montanhas, geleiras e pântanos: é como se a gente morasse num terreno de cem metros mas só podendo cultivar menos de metro! Quando se pensa nisto, cada palmo parece maior.

Enterrando lixo orgânico na horta e nas covas para plantio de árvores e arbustos, vamos recuperand­o a fertilidad­e do terreno, saudando cada nova minhoca. Como a nova chácara é em zona rural, vemos nas colinas o trabalho de milhões de minhocas, nas plantações onde a palhada do plantio direto vai propiciand­o mais vida na terra, mais produtivid­ade nas colheitas e mais prosperida­de para os lavradores. Mexendo com a terra, você amplia a consciênci­a, como virou moda dizer, percebendo que, como há um cosmos de galáxias acima da cabeça, há um mundo de bactérias debaixo dos pés.

Desse mundo subterrâne­o emergem milagres: a germinação das sementes, o vingamento das mudas, os botões anunciante­s e as floradas repentinas, os perfumes no ar, o legume na mão.

Olhos abertos, ouvidos abertos e descoberta­s: as nuvens te espiando, o sol te abençoando, os passarinho­s cantando para você, a chuva amaciando a terra para a picareta, a globulosa flor do alhoporró.

E, além de tanto, há o encanto de acompanhar o mais lento dos teatros, o cresciment­o das plantas aos poucos ocupando os espaços, competindo por luz mas convivendo galhos, dia a dia fazendo mudanças que a memória irá embaralhan­do mas depois as fotos mostrarão. Como tudo cresceu! Como era tão diferente antes! E, como nos olhamos no espelho vendo envelhecim­ento, olhamos o jardim vendo renovação: para o pessimista, um trabalhoso consolo; para o otimista, uma florida vitória.

Certo é que, quando tiramos a meia úmida da bota de borracha, a amargura sai junto. Quando se pendura para secar o macacão molhado de suor, o dia não termina pois as sementes foram para o chão, as raízes estarão crescendo, as flores já formando os frutos para os dias que virão. E, se chuva te pega com as mãos na terra, você não corre, você, como parte viva de tudo, você se deixa molhar, enraizar e florescer.

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Dalva Vidotte/ Divulgação Flor de alho-porró

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