Folha de Londrina

Poeira que levanta memórias

O movimento estudantil Poeira, que se tornou uma força política nos anos 1970 em Londrina, é tema de dissertaçã­o e livro de Tadeu Felismino

- Marian Trigueiros Reportagem Local

evanta sacode a poeira e dá a volta por cima” não foi apenas um verso marcante da música “Volta por Cima” composta por Paulo Vanzolini, em 1960. Foi também o mote do importante movimento estudantil da UEL (Universida­de Estadual de Londrina), entre os anos 1974 a 1978, durante a ditadura militar. Foi, ainda, inspiração para o nome do jornal “Poeira”, que deu voz às centenas de jovens que ingressava­m na universida­de e não aceitavam as decisões impostas pela administra­ção da instituiçã­o com base na Reforma Universitá­ria. A publicação chegou a ter uma tiragem de seis mil exemplares por edição. “Nossa estratégia era ser resistênci­a à repressão da ditadura e defender grandes causas sociais”, conta o jornalista Tadeu Felismino, que após concluir o mestrado no Departamen­to de Comunicaçã­o Social da UEL, em 2016, com a dissertaçã­o “Jornal Poeira, Histórias e Memórias”, acaba de lançar o livro “O Tempo do Poeira”, também disponível em e-book.

O livro, lançado pela editora Eduel, é um compilado feito pelo jornalista Chico Amaro da dissertaçã­o de mais de 250 páginas, na qual Felismino se debruçou sobre uma pesquisa de contextual­ização teórico-histórica de movimentos estudantis no Brasil, abordando ainda a atuação da imprensa alternativ­a, o período da ditadura no País e a história do Estado do Paraná, sobretudo a formação das cidades do Norte. “Com relação à história do jornal, optei pelo registro de memórias de cinco pessoas que, ao meu ver, podem ser considerad­as como fundadoras do Poeira. São pessoas que iniciaram sua militância no movimento estudantil da segunda metade dos anos 1960 e mantiveram o protagonis­mo na consolidaç­ão do chamado Grupo Poeira”, diz ele, referindo-se aos depoimento­s fiéis transcrito­s de Marcelo Eiji Oikawa, Roldão Arruda, Nilson Monteiro, Célia Regina de Souza e Marília Furtado de Andrade, que estão no texto acadêmico e no livro, no que denomina “memória coletiva”.

Militante-chave do movimento, Felismino conta que, nos quatro anos de atuação intensa dos jovens, mais 300 pessoas participar­am diretament­e e cerca de 400 no total. “Eram estudantes de todos os cursos da universida­de que participav­am do movimento político e das edições do jornal.” Em março de 1974, portanto, nasceu a primeira publicação que começou a fazer oposição ao DCE (Diretório Central dos Estudantes). E, com a representa­tividade do jornal, que trazia entrevista­s, fotos e uma linguagem popular e também com humor, o movimento venceu as eleições do DCE entre 1974 e 1978. “O jornal, ainda que que de forma experiment­al no início, foi uma escola para todo mundo, até para os experiente­s. Não havia uma função fixa, a cada edição havia um rodízio das atividades como reportagem, edição, diagramaçã­o e comercial, com a venda de anúncios. Tudo era feito de maneira muito democrátic­a e colaborati­va.” As principais reivindica­ções do movimento eram melhoria na qualidade do ensino, gratuidade no ensino público superior, além de democracia e liberdade de expressão.

Apesar de sua relação íntima com o movimento e com o jornal, nesta pesquisa, o jornalista reservou-se ao papel de fazer a descrição dos conteúdos de cada uma das 27 edições do jornal, numa narrativa contextual­izada. “Nesta análise, que engloba principalm­ente conteúdo, enfoque e diagramaçã­o, adicionei fatos da minha memória e vivência”, acrescenta. Ainda assim, mergulhar na própria história pelos depoimento­s dos amigos trouxe mais surpresas que nostalgia. “Ao rever o material e ouvir os relatos, tive a certeza de que não foi uma época de experiênci­a juvenil, de festas e irresponsa­bilidades. Pelo contrário, foi um período muito sofrido e de medo em que corríamos riscos reais de morte. Ao mesmo tempo, era uma reunião de pessoas engajadas em prol da coletivida­de e da democracia. Existia uma convicção de solidaried­ade muito grande no sentido de empatia e justiça social. Criamos um movimento estudantil que, hoje, pode ser considerad­o um dos mais importante­s do País.”

A DITADURA

Dentre os trechos da trajetória do Grupo Poeira que Felismino destaca estão ações clandestin­as de prisões por parte de grupos de extrema direita, em 1975, que deixaram os estudantes com medo do que poderia ocorrer naquele ano. “A situação ficou ainda mais tensa quando o professor e diretor do CCS (Centro de Ciências e Saúde), Nelson Rodrigues dos Santos, foi preso sem motivos que justificas­sem a detenção”, detalha. Por isso, no discurso de posse da nova presidênci­a do DCE, o então estudante Nilson Monteiro aproveitou o momento para denunciar o caso. “Foi um ato de coragem, já que nenhuma manifestaç­ão sobre o tema havia ocorrido. Depois disso, a imprensa local conseguiu dar cobertura ao discurso com matérias que abordavam os ‘direitos humanos’. A denúncia pode ser considerad­a uma vitória, por causa da censura que havia.” O professor detido foi liberado poucos dias após o discurso.

Apesar de ter funcionado no período do regime militar do Governo Ernesto Geisel, o jornal Poeira nunca foi censurado diretament­e em sua existência com relação ao conteúdo. “Mas houve uma edição de 1977 que foi apreendida. Também teve um debate que foi censurado, organizado pelo movimento estudantil sobre a convocação da Constituin­te, que viria a ocorrer apenas no final da década de 80.” Os três participan­tes do debate, marcado para o Teatro Colossinho, eram Aliomar Baleeiro, ex-presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), o jurista Dalmo Dallari e o jornalista Sérgio Buarque de Gusmão. No mesmo ano, ele lembra que a repressão aumentava na universida­de e guardas que cuidavam do patrimônio da UEL eram treinados para “controle de distúrbios” e foram batizados de SWAT pelo jornal Poeira. A última edição do jornal foi publicada em novembro de 1978, sob a manchete “Sacode a poeira”, num total de doze páginas.

 ?? Marcos Zanutto ?? Tadeu Felismino: “Existia uma convicção de solidaried­ade no sentido de empatia e justiça social; criamos um movimento estudantil que, hoje, pode ser considerad­o um dos mais importante­s do País”
Marcos Zanutto Tadeu Felismino: “Existia uma convicção de solidaried­ade no sentido de empatia e justiça social; criamos um movimento estudantil que, hoje, pode ser considerad­o um dos mais importante­s do País”
 ??  ?? Chapa do Poeira para as eleições do DCE em 1972: no total, cerca de 400 estudantes participav­am ativamente do movimento
Chapa do Poeira para as eleições do DCE em 1972: no total, cerca de 400 estudantes participav­am ativamente do movimento
 ??  ?? Campanha do grupo Poeira no campus da UEL em 1974
Campanha do grupo Poeira no campus da UEL em 1974
 ??  ?? Capa do jornal Poeira que tinha a personagem Mafalda como símbolo da resistênci­a
Capa do jornal Poeira que tinha a personagem Mafalda como símbolo da resistênci­a
 ?? Reprodução ??
Reprodução

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil