Tempo de ser feliz
Dia desses me deparei com uma tira do Quino, autor dos quadrinhos da Mafalda, dizendo que a pessoa da terceira idade, o idoso, ou, como queiram, o velho _ “o velho tem os olhos na nuca”. E não é que ele estava certo? Sem nenhuma censura, a gente vai chegando a um tempo em que nossa vida se reflete no passado, naquilo que vivemos, na estrada que percorremos, nas “bobagens chamadas experiências” acumuladas, nas amizades conservadas.
A gente se vê bem lá atrás, ainda nos sonhos que fomos realizando, trabalhando, evoluindo, e, bem ou mal, parece que chegamos ao topo da vida! Sobrevivemos! O futuro é hoje!
O que temos pela frente? Vinte, no máximo, trinta anos de vida útil (não nos interessa esse assunto) e ainda temos a garantia da vida eterna... Nem por isso perdemos a alegria. Com menos ansiedade, o amanhã não preocupa nem faz perder o sono, com exceção das preocupações afetivas pelas pessoas que amamos. Já perdemos a conta das nossas contas, o essencial é só o essencial, invisível aos olhos, e mais nada. Se tivemos a graça de ter feito uma boa caminhada e chegamos inteiros, se dá para viver sem muitas preocupações financeiras e, de quebra, termos a alegria de ter uma família por perto, melhor ainda. Os netos nos vêm de presente sem o compromisso de educar, de nos responsabilizar pelo seu futuro, apenas amar, brincar, ser feliz.
O interessante é que os nossos dias se tornam valiosos. A cada manhã acordamos e pensamos aqui dentro: “estou vivo”!
Dá uma vontade muito grande de ser feliz, de fazer o que gostamos, sem nos
A gente se vê bem lá atrás, ainda nos sonhos que fomos realizando, trabalhando, evoluindo, e, bem ou mal, parece que chegamos ao topo da vida! Sobrevivemos! O futuro é hoje!”
importar com o que vão dizer. Ah, como isso é bom! Houve um tempo em que vivemos em função da aprovação do outro; depois, inteiramente para servir o outro e depois de tudo, podemos viver para nós, sem deixar de ajudar, sem deixar de participar, mas também sem deixar que vivam e falem e escolham por nós.
Um sentimento novo toma conta do nosso ser e então descobrimos que podemos ser aquela pessoa que sempre quisemos ser.
Levantamos tarde sem prejuízo de ninguém ou então levantamos cedo para varrer a calçada e bisbilhotar a rua. Tratamos dos nossos gatos e cachorros, calopsitas ou tartarugas, plantamos flores, legumes e frutas em vasos, admiramos as flores e passamos a trocar mudas com as vizinhas, colocamos comida no muro para os passarinhos, reinventamos coisas que há tanto tempo atrás nossas avós faziam, falamos palavras arcaicas, expressões que fazem os mais novos rirem ao dizer: “Mãe, você está falando igualzinho à vó”.
Afinal, que tempo novo é esse que estamos experimentando? Nos vemos com tempo para resgatar as antigas amizades pelo Face ou telefone, ou pessoalmente, nos longos e saudosos papos. Fazendo um check-up da caminhada, surpresos e felizes, nos damos conta que “tantas afinidades explicam a preservação das duradouras amizades”, dessas que a gente costuma dizer: “pra vida inteira”. Somos mães e pais, avôs e avós, passamos por experiências semelhantes, trabalhamos, nos aposentamos e agora vivemos esse tempo especial que poderia chamar de “o melhor de nossas vidas”. Com uma cabeça diferente, corpos naturalmente mais velhos mas nem por isso menos bonitos, porque a beleza está nos nossos olhos e na maneira nova de olhar para a vida. Sem medo de não conseguir realizar os sonhos, ou medo de fracassar, de não encontrar a alma gêmea (descobrimos que não existe!). Não casar, não ter filhos... Tantos medos e angústias se perderam no tempo!
No limiar do novo ano, sem muitos planos mas com muita disposição para viver, quem dera encontrar pelas ruas essa geração esbanjando alegria, vivendo com dignidade, tendo o respeito dos mais novos, a liberdade de ir e voltar, simplesmente tendo o direito e o dever de ser muito feliz!