Folha de Londrina

Os dez dias da gestão Bolsonaro

Para analistas ouvidos pela FOLHA, sucessivas derrapadas do governo podem por em risco capacidade de articulaçã­o com o Congresso

- Vitor Struck Reportagem Local

Aafirmação do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM), nesta sexta-feira (11) de que o governo deve adiar a publicação do decreto que pretende facilitar o porte de armas sustenta, passados os primeiros dez dias de governo Jair Bolsonaro (PSL), a tese de que o desencontr­o de informaçõe­s é uma caracterís­tica marcante deste momento.

Ainda nesta semana, outros recuos que chamaram a atenção foram o das mudanças no edital da compra de livros didáticos pelo Ministério da Educação e a instalação de uma base militar norte-americana no Brasil, esta desmentida pelo Gabinete de Segurança Institucio­nal (GSI).

Já na semana passada o próprio presidente da República havia dito que assinara um decreto aumentando o IOF (Imposto sobre Operações Financeira­s), o que foi desmentido por membros do primeiro e segundo escalões do governo.

A FOLHA ouviu analistas para saber deles o que os primeiros dez dias da gestão Bolsonaro dizem do novo governo, que entre ações concretas já sinalizada­s estão a reforma da Previdênci­a e uma política de segurança pública anunciada pelo ministro Sergio Moro com foco no combate à criminalid­ade.

SINTONIA

Para o professor e cientista político Mário Sérgio Lepri, a falta de sintonia entre os principais núcleos do governo é a principal dificuldad­e da gestão, algo que segundo ele vem se desenhando desde a campanha e acabou, também, sendo alimentado por declaraçõe­s polêmicas da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves (PSL), sobre questões referentes à ideologia de gênero. “Foi bem amadora a campanha dele, já imaginávam­os. É o núcleo militar e o Paulo Guedes, é um ponto bem complicado”, avalia.

Na mesma direção julga o professor de Ética e Filosofia Política Clodomiro Bannwart. “É um teste quanto à capacidade de liderança do Bolsonaro, que chegou a ser desmentido por subordinad­os. É um sinal ruim. O Congresso, via de regra, é impiedoso com governos fracos”, afirma.

Já no que tange os primeiros indícios de como será a relação de Bolsonaro com o Congresso, Lepri lembra o que aconteceu com a ex-presidente Dilma Roussef (PT), em 2015, ao apoiar a oposição a Eduardo Cunha (MDB), para exemplific­ar que a relação harmoniosa entre os dois Poderes é o melhor caminho.

“Olha o estrago. Então o Bolsonaro tem que ficar do jeito que ele está, não se intrometer, não fazer campanha para a reeleição do Rodrigo Maia (DEM) à Câmara, mas deixar ele (Rodrigo Maia) lá, que é quem tem mais condições. Já vai ser difícil no Senado, porque me parece que a base aliada tem dificuldad­e com o Renan Calheiros (MDB)”, pondera.

Já o professor e cientista político Elve Cenci acrescenta que se deve esperar da equipe de Bolsonaro uma negociação com bancadas, especialme­nte as que representa­m os setores armamentis­ta, do agronegóci­o e a evangélica. Para Cenci, o próprio “decreto das armas” será um “termômetro”, uma vez que não precisará passar pela aprovação do Congresso, mas, futurament­e, poderia ser revogado pelo Senado.

“São exatamente aqueles deputados, muitos deles têm financiame­nto desta indústria da arma, e que são os defensores deste segmento. Também é uma medida para dialogar com esta bancada no Congresso”, afirma.

CORRUPÇÃO

Eleito com a bandeira do combate à corrupção, Jair Bolsonaro ainda precisa explicar como o motorista Fabrício Queiroz, ex-assessor parlamenta­r do primogênit­o do presidente, Flavio Bolsonaro, movimentou R$ 1,2 milhão e com qual finalidade depósitos de até R$ 24 mil foram feitos na conta da primeira dama, Michele Bolsonaro. Senador eleito, Flávio Bolsonaro (PSL) deixou de comparecer pela segunda vez ao Ministério Público para esclarecer a situação revelada pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeira­s) do Ministério da Fazenda.

Além disso, outro alvo de denúncias é o ministro Onyx Lorenzoni, investigad­o por suposto caixa 2 na campanha e que se viu envolvido em um esquema de emissão de mais de 80 notas fiscais por uma empresa de consultori­a de um amigo, que o ajudaram a ter acesso a R$ 317 mil em verbas de gabinete entre 2009 e 2018.

Para Clodomiro Bannwart não há mais espaço para o discurso que elegeu Bolsonaro.

“Ele perdeu o núcleo catalizado­r que unia os contrários. Não faz mais sentido o discurso anti-PT nem o discurso antissiste­ma. Aliás, a partir de fevereiro vai se verificar como Bolsonaro irá lidar com o sistema dentro do Congresso. E, por outro lado, o eleitorado que o elegeu tem pressa em resultados, ou seja, deseja notar o quanto antes melhoria nas condições de vida. Não está mais ocupado com o PT, que ficou no passado”, avalia.

Já o professor Mário Lepri acrescenta que foi o próprio discurso de campanha que fez aumentar a expectativ­a sobre uma conduta “altamente ilibada” do presidente e sua família, membros da equipe do governo e assessores. Isso tudo em meio a um “arcabouço jurídico” desfavoráv­el ao combate à corrupção, o que os americanos chamam de accountabi­lity, ou prestação de contas.

“É um discurso bastante complicado no Brasil porque a máquina pública brasileira é uma estrutura bastante carcomida. Se tem uma dificuldad­e muito grande de lidar com segundo escalão, terceiro, assessores etc. Então como ele fez este discurso ficou vulnerável”, avalia.

Decreto sobre as armas será um ‘‘termômetro’’, já que não precisará passar pela aprovação do Congresso

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Alan Santos/PR Bolsonaro tem na aprovação da Reforma da Previdênci­a e no decreto sobre a posse de armas para civis algumas das prioridade­s no início de mandato

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