Rodeado de fles e de historias
No comando do Restaurante Rodeio há 40 anos, Arlindo Dessunti conta as histórias que fizeram do local um ponto tradicional na cidade
Uma única mesa montada no Restaurante Rodeio, no centro de Londrina, servia o café da manhã ao proprietário do local: Arlindo Dessunti, 69. Um pão francês em uma mão e a Folha de Londrina na outra, desfrutava do início do dia entre a leitura e algumas pausas para orientar funcionários que se organizavam para abrir o restaurante em poucas horas. Ali conta a história da vida, do restaurante, de Londrina, que se entrelaça em um enredo de boas memórias.
“Só um instante”, pede enquanto guarda o jornal e deposita as últimas mordidas no pão. O telefone toca e a esposa, Maria da Glória Antunes Dessunti, 61, atende levantando-se do local. Arlindo está no comando do Restaurante Rodeio há quase 40 anos, um convite do sogro, que comprou o estabelecimento em 1968 já em funcionamento há 3 anos.
Antes disso, trabalhava na roça com o pai. “Eu sou de Neves Paulista (SP), vim para cá com nove meses. Meus pais vieram com os cinco filhos tocar café na Fazenda Santa Terezinha, perto da Warta”, conta o caçula. Aos cinco, já trabalhava com a família e, nos anos de escola, chegou a percorrer 16 quilômetros de barro por dia para estudar. Com a perda de pés de café nas geadas, a família foi tentar a vida na cidade quando ele tinha 13 anos.
Foi essa mudança que o levou a conhecer Maria da Glória. “Eu comecei a trabalhar em autopeças aos 14 anos, aos 18 eu mudei para outra empresa. Ela morava perto do meu trabalho e passava ali na frente só para me ver”, provoca rindo. A esposa ouve incrédula aquela afirmação e nega com a cabeça o relato duvidoso. Ele ri, repetindo a história. Dessa união de 42 anos vieram três filhas, Talita, Maíra e Isabela, e dois netos.
PERDA
Dois anos após o casamento, o sogro, Manuel Antunes, o convidou para ajuda-lo no restaurante. “Eu saí da autopeças para dar uma folga para ele, eu ficava no caixa”, conta. Foram poucos meses ajudando até ter que assumir o local por uma infelicidade. “Houve um acidente de carro e morreu a família toda: sogro, sogra e duas cunhadas. Ficou a minha esposa”, conta com pesar. Sem a família, os dois tocaram o estabelecimento juntos.
RESTAURANTE
Arlindo não sabe exatamente porque o restaurante tem esse nome, mas recorda que a decoração antiga fazia jus, com rodas de carroça e chifres pendurados enfeitando o local. Quando o sogro comprou, os enfeites saíram e o nome ficou. Apesar de algumas reformas, o espaço mantém ares retrô: cadeiras de ferro, bancadas antigas, azulejos coloridos, tudo remete a décadas passadas. “Hoje ele é o restaurante ativo mais antigo de Londrina e funciona no mesmo lugar”, orgulha-se. Ao lado, funciona a pastelaria, aberta em 1977.
Com 53 anos de história, o local foi palco de discussões e decisões políticas importantes. “Daqui saíram indicações a prefeitos e governadores, como José Richa, Dalton Paranaguá e, depois, José Richa de novo, como governador”, recorda. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso também passou por lá, mas os nomes conhecidos ultrapassam esta dimensão. “Muita gente já passou por aqui! Elza Soares, Chacrinha, Jô Soares...”, pausa para a história que envolve dois grandes personagens: Jô Soares e o garçom mais antigo do local: Nelson Faneco, 79.
Nelson Faneco é uma figura conhecida por atender simpaticamente os clientes do Rodeio há 50 anos, na manhã da entrevista, ele descia as cadeiras da mesa, trabalhando com disposição e energia. “O Nelson sempre fazia uma brincadeira com os clientes. Ele foi servir o arroz ao Jô, chegou com a conversa de que tinha um problema para segurar o xixi quando falava com as pessoas”, Arlindo levanta da cadeira para gesticular como era feita a peça. Antecipando o riso, mostra como estava posicionado cada um. Nelson segurava a bandeja em pé, quase encostado ao cliente ilustre, que ouvia a história sentado. “Então ele tombou a tigela do arroz e deixou cair a água morna na perna do Jô. Nossa! Ele deu um pulo assustado, levantou prato da mesa e tudo. Depois quase morreu de rir”, recorda animado. Ao final, o humorista perguntoulhe se podia levar o garçom com ele.
Histórias assim o Rodeio tem aos montes. Das brigas de casais, do time de Gana (África) que veio pedindo um filé para cada (o prato serve duas pessoas) e da estranha maleta que dormiu no restaurante. “Um rapaz veio almoçar aqui, pediu para guardar a maleta dele, daquelas tipo 007, enquanto ele comia. Eu, tranquilamente, coloquei a maleta atrás da minha cadeira no caixa e deixei lá. Só que o rapaz foi embora e esqueceu a maleta aqui!”, conta com suspense. Horas depois, o dono do objeto liga perguntando se poderia buscá-la no dia seguinte. “Eu tinha um cofre, guardei lá, não sabia o que tinha dentro. No outro dia, ele veio buscar, abriu para me mostrar. Eu nunca vi tanto dinheiro junto! Eram dólares, várias notas juntas, aquilo ficou aqui no restaurante!” revela ainda espantado. Em tempo em que cheque e cartão não eram utilizados, a maleta serviria como entrada na compra de uma fazenda na região.
O risco fez comentar: “Nunca fui assaltado aqui”. Mesmo trabalhando até de madrugada, como antigamente, o estabelecimento sempre funcionou com segurança, talvez por estar em local visível, em frente ao ponto de táxi, próximo ao Calçadão. “Uma vez arrombaram a porta, mas nada demais, graças a Deus”, acrescenta.
FILÉ FAMOSO
No cardápio, uma variedade de pratos, mas os filés é que fazem sucesso. “O filé à parmegiana é o nosso carrochefe. O molho é nosso, tudo bem caseiro e tem um segredo”, que não revela. Servindo duas pessoas, a carne é tão macia que não precisa de faca, é cortado na colher.
A fama percorre o país. “Uma vez veio um pessoal falando que ouviu sobre o filé daqui lá em Brasília (DF) e um casal que ouviu no restaurante de um hotel em São Paulo (SP). Tenho uma cliente que é daqui, mas a família mudou-se para a Bahia. Sempre que ela visita a cidade, pede para embalar um prato que ela congela e leva para casa”, conta com orgulho.
Os filés ficaram tão conhecidos que as celebridades que passavam pela cidade chegavam no restaurante pedindo o prato sem antes olhar o cardápio. “Chitãozinho e Xororó sempre pediam o filé na manteiga, era o preferido deles”, menciona ele sobre a dupla sempre presente no restaurante. “O Reginaldo Leme, comentarista esportivo, vinha fazer a Stock Car aqui, ele comeu o bacalhau uma vez e falou que lembrava o bacalhau da nona. Na última ele não veio para Londrina e os colegas falaram que ele estava bravo que não ia comer o bacalhau dessa vez”, sorri.
Ao público estrangeiro, possui o cardápio em inglês, tudo preparado para atender com qualidade e manter a boa fama. “Nosso diferencial é o atendimento, temos garçons antigos e eles gostam do que fazem”, mas não deixa de citar que limpeza, qualidade dos pratos e preço também integram o pacote de sucesso que mantém o restaurante ativo até hoje.
LONDRINA
Atrás do balcão, Arlindo viu Londrina crescer muito. “Quando eu vim para cá, não tinha Calçadão, era a avenida Paraná ainda e a cidade era pequena. Aqui onde a gente está é o coração de Londrina”, aponta. Nos anos 1980, período em que a cidade recebia muita gente de fora, lembra que o restaurante era um dos locais de encontro.
A localização privilegiada, na alameda Miguel Blasi, ao lado do Hotel Bourbon, permitiu receber muitas pessoas e ver a cidade evoluir sem perder alguns aspectos que a fazem especial. Prova que manter a tradição, um dos pontos fortes do estabelecimento, não afasta os mais novos. “Antes vinham o pai com o filho. O pai se foi e agora estão vindo os netos, um pessoal mais jovem”, indica.
Todo esse tempo em atividade, Arlindo, que torce pelo Tubarão sem tirar o olho do Verdão, está sempre se reunindo com fregueses amantes do esporte e agradece a todos que continuam a frequentar o local. “Estão há tanto tempo me prestigiando, eu só tenho a agradecer”, afirma. Londrina com 84, Rodeio com 53, Arlindo com quase 70, o trio ficaria menos interessante sem um deles. Sabendo disso, não pretende se aposentar. “Eu gosto de estar aqui. O futuro só pertence a Deus, enquanto isso, a gente vai tocando. Como diz a música: deixa a vida me levar!”, brinca.
Hoje ele é o restaurante ativo mais antigo de Londrina e funciona no mesmo lugar"
Aqui onde a gente está é o coração de Londrina"
Daqui saíram indicações a prefeitos e governadores, como José Richa, Dalton Paranaguá e, depois, José Richa de novo, como governador"
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