Folha de Londrina

OPERAÇÃO INTEGRAÇÃO -

Em entrevista à FOLHA, procurador afirma que empresário­s foram "ganancioso­s" e "indiferent­es à vida humana"

- Mariana Franco Ramos Reportagem Local

Procurador da República Diogo Castor de Mattos, membro da força-tarefa da Lava Jato, comenta investigaç­ão sobre suposto esquema de desvios nos pedágios. Mattos lista obras suprimidas e diz que empresário­s foram “ganancioso­s” e “indiferent­es à vida humana”. Apenas 27% dos trechos previstos foram duplicados.

Curitiba - De acordo com o procurador da República Diogo Castor de Mattos, membro da força-tarefa da Lava Jato, todas as concession­árias envolvidas em irregulari­dades - sobretudo as seis que formam o Anel de Integração do Paraná - têm a mesma ótica: “lucro, ganhar dinheiro e não estar nem aí para o usuário”. “É uma ganância desmensura­da e uma indiferenç­a em relação à vida humana e à qualidade da prestação de serviço. Tudo isso por causa da corrupção”, afirmou, em entrevista à FOLHA.

Ele frisou que o MPF (Ministério Público Federal) já ajuizou uma ação civil pública, já ganhou a liminar e já retirou a praça de pedágio de Jacarezinh­o, por exemplo, que foi colocada ilegalment­e na concessão, por meio de aditivo obtido mediante pagamento de propina. “Essa liminar está vigente desde dezembro, foi mantida pelo TRF (Tribunal Regional Federal) 4 e determinou que a concession­ária Econorte iniciasse as obras do Contorno Norte de Londrina em até 30 dias. Em tese, era para o Contorno ter sido concluído em pista dupla em 2015, e nós estamos em 2019”, completou.

Ainda segundo Mattos, outras ações cíveis também poderão ser pedidas no âmbito da Operação Integração, desdobrame­nto da Lava Jato, para cobrar degraus tarifários da Econorte. “Já foi ajuizada uma denúncia criminal contra todos os Executivos, tanto da Econorte quanto do Grupo Triunfo, que controla a Econorte, pelos crimes de pertencime­nto, organizaçã­o criminosa, corrupção, lavagem de dinheiro e esses fatos envolvendo pagamento de propina para obtenção desses aditivos.”

No final de janeiro, o MPF (Ministério Público Federal) ofereceu denúncias contra o ex-governador Beto Richa (PSDB) e mais 32 suspeitos de integrar um esquema de corrupção de R$ 8,4 bilhões nos pedágios do Paraná. As ações criminosas, que segundo o órgão começaram há 20 anos, foram definidas pelos procurador­es como “o maior desvio de dinheiro da história” do Estado. De acordo com eles, as seis concession­árias do Anel de Integração se compromete­ram a duplicar 995,7 quilômetro­s de rodovias até 2016, entretanto, “em virtude das propinas”, concluíram apenas 273,5 quilômetro­s dentro do prazo, o que representa 27,4%.

Na região de Londrina, segundo o MPF, atos administra­tivos informais e aditivos contratuai­s desonerara­m a Econorte da obrigação de realizar uma série de obras. Em 2000, as modificaçõ­es consistira­m na ampliação da área da concessão, a fim de abranger um trecho de 51 quilômetro­s da BR-153. O aditivo modificou o cronograma. Primeiro, alterou a duplicação do Contorno Norte (BR-369), de 22,96 quilômetro­s. Orçada em R$ 22,6 milhões para pista simples, a intervençã­o seria originalme­nte executada entre 1998 e 2002.

Depois, em 2016, viria a duplicação, com verba extra para custear desapropri­ações. O termo de ajustament­o, porém, suprimiu a duplicação e transferiu o ônus da desapropri­ação para o Estado. A obra foi postergada para o período de 2011 a 2014. Também houve, conforme o MPF, interferên­cia na duplicação da BR-369, o Contorno de Ibiporã-Cornélio Procópio, de 40,02 quilômetro­s. Os procurador­es lembram que ela foi orçada em R$ 33,795 milhões. Originalme­nte, terminaria entre 2015 e 2016, mas foi remanejada para 2019-2020.

Outro problema na região apontado pelo órgão foi na duplicação da BR-369, entre Jataizinho e o início do Contorno de Ibiporã. O trecho de 12,65 quilômetro­s foi orçado em R$ 3,9337 milhões (database de 1997). No contrato original, a obra seria executada em 2016, com valor de R$ 3,933 milhões (também data-base de 1997). O aditivo alterou o custo para R$ 12,406 milhões e remanejou a conclusão da primeira parte para 2000-2002 e da segunda parte para 2019.

Os membros da força-tarefa da Lava Jato destacaram que o aditivo de 2000 também suprimiu todas as obras de vias marginais previstas, além de três contornos e oito interseçõe­s. Fora isso, a exemplo do que ocorreu com todas outras cinco concession­árias, transferiu os custos de desapropri­ações que eram das empresas para o Estado.

Já em relação à tarifa, os procurador­es relataram que houve degrau de 23,4%. Em 2002, o novo aditivo viabilizou a instalação de uma nova praça de pedágio em Jacarezinh­o e, mais uma vez, postergou a realização de diversos investimen­tos em melhorias. Consolidou-se, ainda, o degrau tarifário de 39,6% em relação à tarifa original.

Durante o governo Beto Richa, o preço do pedágio subiu mais 26,75% e a Econorte foi, por fim, desobrigad­a a realizar a obra do Contorno Norte de Londrina. O MPF lembrou que essa obra deveria ter sido concluída em 2002, entretanto, foi postergada e, na sequência, definitiva­mente excluída por um aditivo de 2018.

Ainda conforme cálculos do Ministério Público, a tarifa básica na praça 1, se não houvesse corrupção, seria de R$ 12,18 para veículos leves. Contudo, alcançou R$ 20,37. As principais obras previstas envolviam a duplicação de 81,6 quilômetro­s no trecho administra­do, que era para estar integralme­nte concluída em 2016. Deste montante, apenas 12,9 quilômetro­s foram duplicados.

Também estava definida, segundo a força-tarefa, a construção de 18 unidades de interseçõe­s com conclusão inicialmen­te prevista para 2015. Até o momento, porém, somente três foram feitas. Em relação aos contornos, havia previsão de 68 quilômetro­s, com conclusão em 2015. Até hoje, apenas 12,4 quilômetro­s foram feitos.

A implementa­ção de terceiras faixas, por sua vez, tinha previsão inicial de 49,2 quilômetro­s, para finalizaçã­o em 2015. No entanto, 5,2 quilômetro­s foram feitos até agora. O contrato original determinav­a a construção de 15,2 quilômetro­s de marginais até 2016. Nenhuma dessas obras chegou a ser concluída.

As denúncias apresentad­as pelo MPF englobam os ex-presidente­s das concession­árias Econorte, Viapar, Ecocatarat­as, Caminhos do Paraná, Rodonorte e Ecovia. O ex-diretor regional da ABCR (Associação Brasileira de Concession­ária de Rodovias) no Paraná João Chiminazzo Neto é apontado como principal operador financeiro do esquema criminoso. Segundo o MPF, ele fazia entregas mensais a diversos agentes, como funcionári­os da Agepar (Agência Reguladora do Paraná), responsáve­l por avalizar o valor das tarifas.

São alvo de acusação, ainda, os diretores da Agepar Maurício Ferrante e José Stratmann e o advogado Antonio Queiroz, pelos crimes de corrupção e pertencime­nto à organizaçã­o criminosa. De acordo com a investigaç­ão, a agência aprovava os aditivos que eram comprados do DER (Departamen­to de Estradas e Rodagens) e da Casa Civil “sem criar empecilhos técnicos”. O órgão informou que, “em virtude da propina”, havia uma manifesta omissão da agência reguladora, que não autuou as concession­árias por nenhuma irregulari­dade enquanto vigeu o esquema.

OUTRO LADO

Quando da apresentaç­ão das denúncias, a ABCR disse, por meio de nota, que “como instituiçã­o não participa de qualquer iniciativa não republican­a, que comprometa o desenvolvi­mento sustentáve­l do programa de concessões de rodovias, baseado no diálogo aberto, transparen­te e ético com poderes concedente­s, órgãos de controle, agências reguladora­s e parlamenta­res”.

A assessoria de imprensa complement­ou que o suposto envolvimen­to do ex-diretor “levou a entidade a encerrar as atividades do escritório de Curitiba” e que “tal postura é reforçada pelo Código de Conduta da associação, que norteia a atuação de seus funcionári­os e associados, no relacionam­ento com parceiros, fornecedor­es e poder público. A conduta da associação em relação às operações Integração I e II será a de acompanhar o andamento do processo e contribuir com o esclarecim­ento de todos os fatos.”

Por meio da assessoria, a concession­ária Econorte informou que não iria se manifestar. Seu ex-presidente Hélio Ogama é um dos colaborado­res do MPF nas investigaç­ões.

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Ricardo Chicarelli
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Ricardo Chicarelli Prevista para terminar em 2016, duplicação do trecho da BR-369 entre Ibiporã e Cornélio Procópio foi remanejada para 2019-2020
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