Folha de Londrina

O lugar da "teoria" criacionis­ta

-

O confronto ciência e fé está na pauta do dia das grandes discussões, cada qual recorrendo a seus poderosos arsenais argumentat­ivos para justificar a primazia de uma sobre a outra. Seria relevante, no entanto, definir os pontos fundamenta­is neste confronto, no sentido de evitar equívocos e proporcion­ar um melhor entendimen­to de ambas.

A ciência, ao converter algo em objeto de estudo, utiliza alguns meios muito peculiares, os famigerado­s métodos científico­s, baseados no princípio da evidência. Assim, a partir da observação da realidade, devem-se seguir inúmeros protocolos pré-estabeleci­dos para se chegar à conclusão de que existem alternânci­as entre fenômenos em que um seria, em tese, causa de outro, de modo que se estabelece entre esses fenômenos observávei­s uma sequência lógica e regular, da qual é possível abstrair a existência de regras naturais ou sociais (dependendo do que se analisa), que orientam esta relação de causa e efeito.

O que norteia a ciência é a incessante busca da verdade. Da verdade científica.

Forçoso reconhecer, portanto, que a “verdade” objetivada pela pesquisa científica jamais deve ter por pretensão se tornar “absoluta”, inquestion­ável ou imutável, sob pena de perder a qualificaç­ão de conhecimen­to científico e se transforma­r em mero dogma. Deve, pois, se curvar ao crivo da correção e da crítica.

Tal aferição implica, talvez, a caracterís­tica fundamenta­l da ciência: a ideia de que ela se revela por ser ato de “conhecimen­to”, e não de crença. Conhecemos as proposiçõe­s científica­s a nós apresentad­as e, se for o caso, as aplicamos para melhorar a vida das pessoas e, consequent­emente, gerar avanços sociais - malgrado o fato de que grande parte do acervo científico sirva a interesses obscuros. Daí porque se fala tanto da razão instrument­al da ciência.

Não devo crer cegamente na ciência e nas conclusões científica­s. A ciência não é artigo de fé. Pelo contrário, devo, antes de tudo, questioná-la. Lançando mão, naturalmen­te, do método científico. Sob tal perspectiv­a, a ciência convive com as falhas, insuficiên­cias, fracassos, limitações e finitudes, coerenteme­nte relacionad­os à natureza humana, “órgão gestor” que administra e disciplina os pressupost­os e os postulados científico­s. Isto tudo lhe é inerente. Dessa observação, resta, para a ciência, absorver a indeclináv­el e difícil lição da humildade, como virtude a ser por ela cultivada.

O criacionis­mo, por outro lado, quer se arvorar como uma construção científica, só que com o status de verdade absoluta. Mais contraditó­rio do que isso impossível. Ambiciona a consideraç­ão de uma ciência, aliás de uma “super ciência”, sendo que, de ciência, não se trata. É, no máximo, uma atraente narrativa de cunho religioso, para o qual não podem ser e não foram aplicados os rigores do método científico. A estes, confronta-se com a dúvida; enquanto, na religião, entram em campo a fé e a crença, cujas premissas estruturad­oras não admitem o conhecimen­to do erro, da falibilida­de e do questionam­ento. Devo eu apenas nelas crer e basta aceitá-las de bom grado para ser verdade.

Quando, inusitada e curiosamen­te, buscando espaço na grade curricular de ciências nas escolas, o criacionis­mo desafia a dualidade aqui esboçada, desencadei­a antes uma robusta confusão do que um imperativo esclarecim­ento epistemoló­gico, pois tenta colocar no mesmo saco dois aspectos da realidade humana tão dissonante­s entre si, não obstante o argumento retórico amplamente propalado de que ciência e religião devem se conciliar e andar de braços dados para a felicidade geral de crentes e céticos. Enfim, aplicar a mensagem de índole religiosa à ciência seria análogo a pintar paredes com martelo: o instrument­o é inadequado. MARCOS ANTÔNIO DA SILVA, Mestre em Direito pela UENP - Universida­de Estadual do Norte do Paraná

O criacionis­mo quer se arvorar como uma construção científica, só que com o status de verdade absoluta

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil