Pequena coleção de nomes errados
Uma amiga começou muito jovem a trabalhar numa repartição pública, e sempre via a correspondência destinada ao “Ilmo Diretor de Operações”. Certo dia, ela voltou de férias e recebeu a notícia de que o diretor de operações não mais trabalhava naquela repartição. Imediatamente reagiu com tristeza:
Quem nunca se enganou na hora de dizer um nome, que atire a primeira pedra
“Vou sentir saudades do Seu Ilmo!”
Ela não fora informada de que Ilmo era abreviatura para Excelentíssimo.
Mas não a culpo. Com a idade de 17 anos, passei no vestibular para o curso de Filosofia na USP. Durante a aula, a professora mencionou uma passagem de Ortega y Gasset. Por algum tempo, eu acreditei que Ortega y Gasset era uma dupla de pensadores que trabalhavam em parceria, assim como Marx e Engels, Adorno e Horkheimer, Chitãozinho e Xororó. Anos depois, quando resolvi ler o clássico “A Rebelião das Massas”, do filósofo espanhol José Ortega y Gasset, dei-me conta do equívoco.
Na Casa Pia São Vicente de Paulo, todas as semanas fazíamos ordem unida para cantar o Hino Nacional. Em determinada parte do hino, aquela que diz “Se o penhor dessa igualdade/ Conseguimos conquistar com braço forte”, eu me punha a imaginar quem seria o Seu Penhor. Devia ser um homem corajoso e patriota, provavelmente um dos companheiros de D. Pedro às margens do Ipiranga.
Alguns anos antes de conhecer o Seu Penhor, morávamos em um prédio bem antigo na Alameda Barão de Limeira, em São Paulo. Todas as vezes em que eu entrava ou saía do elevador, meu pai dizia: “Cuidado com o Degrau!”
Naturalmente meu pai se referia ao desnível entre o elevador e a porta de saída, no qual poderíamos tropeçar. Mas eu, com dois ou três anos de idade, imaginava um homem perigoso e taciturno chamado Degrau. Era mais ou menos como se meu pai dissesse “Olha o Bicho-Papão!” ou “Atenção para o Homem do Saco!” Levei algum tempo para entender que o Degrau era só o degrau.
Na mesma época, viajamos para Poços de Caldas (Fernanda ainda não havia nascido). No hotel, sempre que eu fazia bagunça, meu pai dizia: “Olha que eu vou chamar o Gerente”. Fiquei com aquele nome ameaçador na cabeça. No último dia, aprontei alguma arte e imediatamente lembrei-me da possível consequência. Supliquei, então:
“Por favor, papai, não chama o GENTIRA!”
Décadas depois, meu pai ainda chamava gerente de Gentira, só pra me zoar.
Encerro esta lista de nomes errados (há muitos outros) com o título de uma crônica. Quando lancei o livro “Repórter das Coisas”, em 2002, um dos textos (publicado originalmente aqui na Folha de Londrina) chamava-se “Prece de um agnóstico”. Imagino que o diagramador do livro tenha apagado por engano o título da crônica; na hora de reescrevê-lo, tascou: “Parece um diagnóstico”.
Pensando bem, até que não ficou ruim.