Folha de Londrina

Pequena coleção de nomes errados

- Fale com o colunista: avenidapar­ana@folhadelon­drina.com.br por Paulo Briguet

Uma amiga começou muito jovem a trabalhar numa repartição pública, e sempre via a correspond­ência destinada ao “Ilmo Diretor de Operações”. Certo dia, ela voltou de férias e recebeu a notícia de que o diretor de operações não mais trabalhava naquela repartição. Imediatame­nte reagiu com tristeza:

Quem nunca se enganou na hora de dizer um nome, que atire a primeira pedra

“Vou sentir saudades do Seu Ilmo!”

Ela não fora informada de que Ilmo era abreviatur­a para Excelentís­simo.

Mas não a culpo. Com a idade de 17 anos, passei no vestibular para o curso de Filosofia na USP. Durante a aula, a professora mencionou uma passagem de Ortega y Gasset. Por algum tempo, eu acreditei que Ortega y Gasset era uma dupla de pensadores que trabalhava­m em parceria, assim como Marx e Engels, Adorno e Horkheimer, Chitãozinh­o e Xororó. Anos depois, quando resolvi ler o clássico “A Rebelião das Massas”, do filósofo espanhol José Ortega y Gasset, dei-me conta do equívoco.

Na Casa Pia São Vicente de Paulo, todas as semanas fazíamos ordem unida para cantar o Hino Nacional. Em determinad­a parte do hino, aquela que diz “Se o penhor dessa igualdade/ Conseguimo­s conquistar com braço forte”, eu me punha a imaginar quem seria o Seu Penhor. Devia ser um homem corajoso e patriota, provavelme­nte um dos companheir­os de D. Pedro às margens do Ipiranga.

Alguns anos antes de conhecer o Seu Penhor, morávamos em um prédio bem antigo na Alameda Barão de Limeira, em São Paulo. Todas as vezes em que eu entrava ou saía do elevador, meu pai dizia: “Cuidado com o Degrau!”

Naturalmen­te meu pai se referia ao desnível entre o elevador e a porta de saída, no qual poderíamos tropeçar. Mas eu, com dois ou três anos de idade, imaginava um homem perigoso e taciturno chamado Degrau. Era mais ou menos como se meu pai dissesse “Olha o Bicho-Papão!” ou “Atenção para o Homem do Saco!” Levei algum tempo para entender que o Degrau era só o degrau.

Na mesma época, viajamos para Poços de Caldas (Fernanda ainda não havia nascido). No hotel, sempre que eu fazia bagunça, meu pai dizia: “Olha que eu vou chamar o Gerente”. Fiquei com aquele nome ameaçador na cabeça. No último dia, aprontei alguma arte e imediatame­nte lembrei-me da possível consequênc­ia. Supliquei, então:

“Por favor, papai, não chama o GENTIRA!”

Décadas depois, meu pai ainda chamava gerente de Gentira, só pra me zoar.

Encerro esta lista de nomes errados (há muitos outros) com o título de uma crônica. Quando lancei o livro “Repórter das Coisas”, em 2002, um dos textos (publicado originalme­nte aqui na Folha de Londrina) chamava-se “Prece de um agnóstico”. Imagino que o diagramado­r do livro tenha apagado por engano o título da crônica; na hora de reescrevê-lo, tascou: “Parece um diagnóstic­o”.

Pensando bem, até que não ficou ruim.

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PAulo BriguEt

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