CD homenageia temas inesquecíveis do cinema
Renaud Capuçon, virtuose do violino, executa temas clássicos do cinema, de ‘O Desprezo’ a ‘Cinema Paradiso’
Nove em dez músicos clássicos cedem aos encantos da música de cinema em algum momento da carreira - por mais gloriosa que seja. Parece populismo oportunista, mas na maior parte das vezes o gesto é sincero, nasce de lembranças de melodias curtidas na infância e adolescência (e muitas vezes por “inspirações” financeiras, porque costumam vender bem, claro). Mesmo assim, não soa postiço o CD “Cinema”, em que o francês Renaud Capuçon, virtuose do violino que já esteve várias vezes no Brasil, sola 19 temas inesquecíveis de trilhas sonoras.
Ele encarou com seriedade esse projeto. A mesma de suas dezenas de gravações “importantes” do ponto de vista do repertório clássico. Os refinados arranjos de Cyrille Lehn e Daniel Capelleti só encorpam o projeto, tecido com o regente Stéphane Denève e a Filar- mônica de Bruxelas. Capuçon, 42 anos, foi colega de Denève, de 47. Ambos estudaram no Conservatório de Paris.
Em entrevista antes de estrear o repertório de Cinema no templo da música popular francesa L’Olympia, no fim de 2018, Capuçon confessou que quatro anos atrás não teria topado empreitada semelhante: “Eu teria medo das reações do meio clássico que sempre desprezou a música de cinema. Jovem, eu tambémaolhavadoalto.Hoje, nem ligo para isso”.
De fato, sua formidável carreira foi construída vencendo obstáculos cada vez mais complexos no reino da chamada grande música: nos concertos de Bartók aos de Philip Glass e à Serenata de Bernstein; na música contemporânea de Rihm, Dusapin e Bruno Mantovani (compositor que vai reger em abril a Orquestra Jovem do Estado); da prática da música de câmara, razão-chave de sua musicalidade diferenciada.
Nesse repertório, que exige interpretações derramadas e “pede” muito vibrato, ele tenta conter-se, mas acaba cedendo ao lirismo encharcado de algumas das mais belas melo- dias do mundo. É curioso que, apesar de os compositores franceses dominarem de certa maneira o repertório, Capuçon abra com duas obras-primas do gênio italiano Ennio Morricone (“Cinema Paradiso” e “O Oboé de Gabriel”, de “A Missão”) que já nos envolvem no clima de sonhos que seguirá em vários outros gran- des momentos, como em “Papa, can you hear me?” de Yentl e “Verão de 42”, assinados por outro gênio, Michel Legrand; ou na “Lista de Schindler” do grande John Williams.
Entre as surpresas muito bem-vindas estão o tema de “Camille” do filme “O Desprezo” (1963), de Jean-Luc Godard, e a linda suíte da trilha de “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain”, composta por Yann Tiersen, com direito a uma curta, porém virtuosística, cadência.