Folha de Londrina

‘A arte nunca sai de você’

Frutuoso, um artista norte-paranaense e autodidata muito conhecido em décadas passadas, continua a produzir obras com estilo marcante

- Marian Trigueiros Reportagem Local

rutuoso”. Quem viveu em Londrina nas décadas de 1980 e 1990 conhece ou já ouviu falar desse nome na área cultural. Hoje, aos 61 anos, José Maria Frutuoso (sobrenome de família), artista plástico e visual, continua a se reinventar na arte, ainda que seu trabalho não seja exposto ao público com tanta frequência. “A arte nunca sai de você”, conta ele, em recente visita da reportagem da FOLHA em sua residência, onde ele mantém seu ateliê com mais de 1,5 mil desenhos e 100 telas de uma vida. Lá, é possível ver sua evolução e conhecer um pouco do perfil e estilo, que perpassa pelo que ele considera expression­ista, mas também carrega muitas caracterís­ticas do primitivis­mo, ainda que, assim, não o defina. Independen­temente de rótulos, o que impression­a é saber de sua história de vida que começa com a trajetória autodidata ao convívio com artistas.

Ainda na adolescênc­ia, Frutuoso começou a esboçar os primeiros traços com a famosa caneta Bic. “Na escola, gostava de desenhar no caderno. Também deixava desenhos na lousa entre uma aula e outra”, lembra. O talento chamava a atenção dos colegas e professore­s, no entanto, não recebeu ensino formal da arte; o estímulo vinha da vontade pessoal em encontrar uma linguagem própria e criar imagens. “Tudo o que eu fazia - e ainda faço - era muito intuitivo. Observava as paisagens, as pessoas e colocava do meu jeito no papel. Nunca fui de copiar, uso a essência do que vejo como referência.” Não demorou muito e conheceu o artista local Agenor Evangelist­a, com quem realizou diversas parcerias depois, e que, tão logo, o apresentou ao gravurista Paulo Menten, que tornou-se, nada menos, que seu conselheir­o e amigo. Um marco decisivo na vida do autodidata.

Na época, era um jovem cheio de expectativ­as, porém, sem conhecimen­to acadêmico. Paulo Menten já era o renomado artista visual que havia escolhido Londrina para morar e trabalhar. “Auxiliava quando os alunos iam até o ateliê e, em troca, ele me deixava ficar lá criando desenhos e pintando algumas telas enquanto ele criava. Era uma oportunida­de de observar a forma dele produzir, como manuseava os materiais e ter contato com um universo que eu não conhecia. Apesar de ser um mestre respeitado da gravura, era muito acessível e gostava de contar histórias.” Entre um trabalho e outro, Menten dava orientaçõe­s de livros - de sua imensa biblioteca pessoal - para que Frutuoso aprimorass­e seu talento. “Uma vez ele olhou meu trabalho e disse: ‘Você já tem seu estilo e linguagem, isso é o que mais importa. Se você for estudar com alguém, vão tirar sua identidade e moldá-lo.” Menten chegou a comparar seus traços com os de artistas como Jacques Villon, Leger e Clovis Graciano, com os quais Frutuoso nunca tinha tido contato.

LINGUAGEM PRÓPRIA

E lá se foram mais de dez anos de convivênci­a quase diária. Com essa direção do professor da vida, inclusive, o jovem artista passou a eleger alguns temas e tipos de traços que destacasse­m a plasticida­de de sua expressão. Entre eles, a figura humana, em especial a feminina, a paisagem rural, os pássaros; um de cada vez ou todos ao mesmo tempo. “Mas nunca fixei uma temática; minha inspiração é a vida”, resume. Nesta época, como havia desenvolvi­do sua própria técnica de utilização de materiais, como a tinta acrílica para tecido e, posteriorm­ente, a tinta nanquim, manteve-se nesta linha. Porém, sempre com estilo próprio de cores fortes e contrastan­tes. “No começo, eu usava os recursos que tinha em mãos, até mesmo por desconhece­r materiais específico­s para desenho e tela. Já com o Paulo, tive a aproximaçã­o com outros materiais e solventes. Até me arrisquei a fazer algumas gravuras, mas não era meu forte”, conta o artista.

Ali, era, definitiva­mente, o começo de uma trajetória em ascensão que lhe rendeu muita produção, trabalhos comerciais e publicitár­ios. Mas teve muito mais. O encontro com sua própria essência e o contato com artistas da época fez, justamente, que Frutuoso tivesse prestígio e participas­se de diversas galerias, salões e exposições em Londrina e fora da cidade. “Havia muitos espaços alternativ­os e eventos que fomentavam a produção por aqui. Ao mesmo tempo, um pensamento cultural que valorizava as artes desenvolvi­das.” Apesar da grande dedicação às telas e desenhos, mesmo em tempos áureos, nunca deixou de exercer uma profissão paralela. “Infelizmen­te, a arte não é vista como trabalho por muitas pessoas e isso dificulta viver dela. Mas, hoje, o que importa para mim é a vontade de continuar a produzir, independen­temente dela ser exposta ou adquirida por alguém. O importante é viver pela arte e não viver dela”, diz ele, que, atualmente trabalha numa marcenaria e como segurança de um estabeleci­mento comercial. Mesmo antes, dividia o tempo com atividades como office boy, auxiliar de prótese dentária e na construção civil.

DESAFIOS

Sua última “aparição” foi com três telas na última edição da exposição Mostra Zumbi dos Palmares, no ano passado. Antes, em 2017, teve uma pequena exposição no Museu de Arte de Londrina. “Hoje em dia eu só produzo conforme minha vontade e não mais para currículo. Se alguém quiser conhecer meu trabalho, minha casa está de portas abertas.” Enquanto trabalha nos dois empregos, aproveita o tempo livre para descobrir novas artes e técnicas, como pintar em grandes tubos de bobina de plástico. “É um desafio aprender a pintar em outras superfície­s, neste caso, arrendonda­da. Também comecei a desenhar em outras dimensões de papel, no formato retangular. Qualquer elemento diferente é sempre uma descoberta de novos caminhos. Para mim, a arte não é só uma finalidade, mas o meio, o sentido da existência.

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Fotos: Saulo Ohara Frutuoso: “O importante é viver pela arte e não viver dela”
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A criação intuitiva de Frutuoso incorpora elementos da natureza e pessoas em telas coloridas e expressiva­s
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