Folha de Londrina

Panetone na praça

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A praça é do povo, disse o poeta, mas na verdade pouco e mal usamos as praças. Praça precisa se tornar point, como a Praça Nishinomiy­a, diante do aeroporto de Londrina, para merecer frequência daqueles para quem existem as praças.

Um estrangeir­o pergunta porque as praças brasileira­s são tão vazias, respondo brincando queéparanã­osegastare­m-masofatoéq­ue praças e parques se deterioram quanto menos são usados. O mato toma conta, o público raleia e assim também seu valor eleitoral, passando enfim para o esquecimen­to popular e oficial, como se não existissem.

Exemplo é o Vale Verde, preservado na área urbana pelo plano do urbanista paulista Prestes Maia, lá na gestão do prefeito Milton Meneses em 1950. Tinha pequenas pontes cruzando o riacho, e trilhas onde fiz caminhadas com meus filhos crianças. Voltando lá agora com neto, encontro as pontes derrocadas, voçorocas de erosão, muito lixo trazido pelas galerias pluviais. As grandes pontes para as ruas que cruzam o vale, vistas por baixo, estão com tanta erosão que vão acabar ruindo sem a manutenção que decerto não virá (e, claro, só serão refeitas quando ruírem, depois de indispensá­veis e caras licitações...).

Se praças e parques continuam assim, porém, não é só porque poucos usam mas também porque ninguém reclama, e assim nossos bosques podem ter mais vida mas nossas praças e parques são meio mortos. Exemplo disso é que nossas Cataratas do Iguaçu recebem dois milhões de turistas por ano, e nos Estados Unidos as cataratas do Niagara, muito menores, mais de vinte milhões.

Em Berlim, talvez porque no hemisfério norte o sol é mais raro e valorizado, aos domingos os imensos parques se enchem como se fossem praias cariocas, só que com toalhas no gramado em vez de esteiras na areia. Médicos prescrevem principalm­ente para os idosos tomar sol, fonte da vitamina D preventiva da osteoporos­e, por isso sempre tiro a camisa quando faço ginástica em academia ao ar livre. Outro dia alguém olhou torto, falei que estava sem camisa por recomendaç­ão médica, então tudo bem. As pessoas respeitam os médicos tanto quanto não respeitam as praças, onde desde a primeira infância crianças se (des)educam a deixar lixo com naturalida­de.

Ademais, talvez o próprio desenvolvi­mento urbano e cultural tenha sabotado as praças. A Floriano Peixoto (“Praça da Bandeira”), por exemplo, na década de 1940 era muito mais frequentad­a do que hoje. Ali alto-falantes tocavam músicas, apresentad­as por locutor com galantes dedicatóri­as: “Rapaz de terno branco e gravata azul dedica à moça de vestido amarelo”... Mas depois, antes até da televisão, aquilo pareceu brega e acabou, apesar de que eu não existiria se meu pai e minha mãe não tivessem se encontrado ali.

Ao lado, o Bosque Marechal Cândido Rondon (o chamado Bosque Central de Londrina) é exemplo fedido do fracasso de nossas praças. Simboliza a rendição dos poderes públicos às pombas e seu onipresent­e cocô, e ressalta a resistênci­a ou resignação dos idosos jogadores de truco sempre ali.

Mas, como aquele bêbado da peça “Os Rinocentes” de Ionesco, que se recusa a virar rinoceront­e quando todos já se rinocentar­am, eu resisto! Levo panetone para sombra de árvore, e comemos sem deixar nem migalhas para as formigas, levando todo lixo de volta na mochila. Como falei ao neto que íamos fazer um programa cheio, ele pergunta cheio de que, respondo: cheio de céu, de ar, de árvores - e até de silêncio, se a praça não fosse cercada pelo ronco das ruas. Pergunto se gostou da praça, ele diz que gostou do panetone. Entretanto mantenho esperança de ainda e muito ver, como na música de Belchior, “o amor-humor das praças cheias de pessoas”.

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