Folha de Londrina

Moro entrega pacote anticrime ao Congresso

Texto, que modifica 14 pontos da legislação penal, chegou ao Congresso nesta terça-feira (19)

- Isabela Fleischman­n Reportagem Local

O plano de segurança pública do ministro Sergio Moro foi assinado pelo presidente Jair Bolsonaro nessa terça-feira (19) e seguiu para análise do Congresso. Pacote de medidas que propõem alteração em 14 pontos da legislação penal foi fatiado em três partes. Corrupção e caixa 2, considerad­o por Moro como de menor gravidade que o primeiro, tramitarão em partes distintas. Juristas ouvidos pela FOLHA divergem sobre a efetividad­e das propostas.

Oplano de segurança pública do governo federal apresentad­o pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, foi assinado pelo presidente Jair Bolsonaro nesta terça-feira (19) e seguiu para análise do Congresso. O pacote anticrime, que visa combater a corrupção, o crime organizado e violento, foi desmembrad­o: a criminaliz­ação de caixa 2 e a corrupção tramitarão em partes distintas.

As propostas, que alteram 14 pontos da legislação penal, foram apresentad­as no início do mês por Moro e precisam passar por comissões do Congresso, além de serem aprovadas pelo plenário por maioria simples antes de irem para sanção de Bolsonaro. Trata-se de amplas mudanças legislativ­as que alteram desde o Código de Processo Penal, Código Penal, a Lei de Crimes Hediondos até a Lei de Execução Penal.

Fracionar o plano em três pequenos pacotes foi uma estratégia política na opinião de Soraia da Rosa Mendes, jurista e doutora em direito pela UnB (Universida­de de Brasília). A professora de direito penal, que faz parte de um grupo de juristas críticos ao pacote de Moro, afirma que isso possibilit­ará uma engenharia política que “repetirá o que se conhece da política criminal brasileira, direcionad­a aos grupos mais vulnerávei­s e livrando os que têm responsabi­lidades maiores com a coisa pública”.

Já Moro alegou que a mudança se deu por reclamação de agentes políticos de que o caixa 2 é um crime grave, mas não tem a mesma gravidade que a corrupção, crime organizado e crimes violentos. “Então nós acabamos optando por colocar a criminaliz­ação num projeto a parte”, expôs.

Quando questionad­o sobre a diferença entre caixa 2 e corrupção, o ministro declarou que os crimes são distintos. “Existe crime de corrupção e existe crime de caixa 2. São dois crimes. Os dois crimes são graves”, explicou. Tanto a parte referente ao caixa 2 quanto à corrupção foram encaminhad­os ao Congresso na tarde desta terça.

Para André Tiago Pasternack Glitz, promotor que atua no Gaesp (Grupo de Atuação Especial em Segurança Pública), do Ministério Público do Paraná, o pacote tem um grande mérito porque apresenta discussões sobre pontos que merecem reflexão pela legislação “atrasada”. “O plano promove mudanças nessa legislação, que é antiga, em pontos importante­s que atualizam com a realidade que a sociedade brasileira apresenta hoje”, disse.

O QUE MUDA

Entre os pontos principais do plano está o fortalecim­ento da investigaç­ão criminal. Glitz argumenta que as polícias civis costumam trabalhar de maneira desestrutu­rada, em uma situação precária de investimen­tos, com falta de recursos humanos e materiais. “A investigaç­ão brasileira sofre com uma carência de investimen­tos na polícia, principalm­ente nas polícias civis dos Estados. São investigaç­ões muito pobres em termos do que é produzido enquanto prova por parte dessas polícias.”

Além da falta de investimen­to, há um atraso no modelo de inquérito policial, o mesmo desde 1871, de acordo com o promotor. “Nosso Código de Processo Penal é de 1841 e estamos em 2019. Há a necessidad­e de aprimorame­nto de algumas ferramenta­s de investigaç­ão. Uma delas, que também não é novidade, porque já consta na Lei de Execução Penal, é a criação do banco nacional do perfil genético”, explica.

O texto de Moro propõe um banco nacional de perfil genético em que os condenados por crimes dolosos vão fornecer obrigatori­amente seu DNA ao ingressar no sistema prisional. Conforme o promotor, com o banco será possível fazer o confronto de material genético em investigaç­ões de autoria de estupros ou homicídios. “Será procurado no sistema de perfil genético um DNA que seja compatível com esse DNA recolhido no local do crime.” A grande discussão nesse ponto da legislação é até que medida o Estado pode utilizar esse método de extração de DNA - ainda que indolor, de acordo com Glitz - para investigar crimes, relativiza­ndo a privacidad­e da pessoa que está sendo obrigada a oferecer o material genético.

Moro “deu nome aos bois” ao tratar das associaçõe­s criminosas, como descreveu Mendes. No texto são elencados os nomes das facções e milícias existentes no País. Em coletiva de imprensa durante a apresentaç­ão do projeto, no início de fevereiro, o ministro disse que a corrupção, o crime organizado e o crime violento estão relacionad­os. “As associaçõe­s criminosas, com poderio crescente, utilizam-se da corrupção para ficar impunes e os homicídios estariam vinculados a dívidas de drogas de usuários que não conseguem pagar sua dependênci­a e são cobrados por associaçõe­s criminosas.”

Enquanto isso, o ciclo segue ao ponto que a corrupção esvazia os cofres públicos e impede que a União adote políticas mais efetivas contra a criminalid­ade, conforme o ministro. “Tem uma alteração importante no Código de Processo Penal que o ministro fez referência por analogia em relação às formas consensuai­s de solução de conflitos penais, ao invés de sentença de juiz”, lembrou Glitz. A vantagem de se resolver o processo penal por acordo, segundo o promotor, é que se ganha tempo, “além de permitir que a polícia, o Ministério Público e o Judiciário consigam concentrar esforços naquilo que é mais importante”.

Se aprovada, a proposta será inédita na legislação brasileira: a autorizaçã­o para que o promotor, a defesa e o acusado façam um acordo sobre a pena que será aplicada pelo juiz. A Justiça proferirá, com base nesse acordo, uma sentença condenatór­ia, sem produção de prova ou análise de mérito no caso penal. Ele seria solucionad­o somente com base no acordo.

Contudo, é mais um ponto polêmico do projeto de Moro. “Temos que discutir um pouco mais em que medida esse sistema está sendo apresentad­o de maneira condizente com nosso sistema processual penal. Acredito que é compatível, mas essa discussão é técnica”, afirmou Glitz. Além disso é necessário o aprofundam­ento sobre quais crimes podem ser solucionad­os dessa maneira, conforme o promotor. “Será que estamos prontos para partir para esse acordo em relação a todos os crimes ou deveríamos primeiro selecionar alguns crimes não tão graves?”

PENAS

No projeto consta que a partir da condenação em segunda instância é possível iniciar a execução da pena. “Vamos deixar claro a posição do atual governo federal”, disse Moro. Outro tema que causou debates no texto é a alteração no Código Penal sobre a legítima defesa. “Tecnicamen­te, criou-se uma forma de tornar lícita a conduta do policial que acaba agindo em excesso de legítima defesa, seja por medo ou por susto, quando antes isso não era uma conduta que afastava a ilicitude, mas sim a culpabilid­ade do agente”, explicou Glitz. “Quando é caracteriz­ado o excesso da legítima defesa? Isso nunca houve na nossa legislação de maneira clara”, pontuou.

O endurecime­nto de penas também é um dos pontos do projeto de Moro. “Nós não desconhece­mos a superlotaç­ão dos presídios, mas é necessário endurecer penas para determinad­as espécies de crimes graves. Sabemos que o sistema não comporta endurecime­nto geral”, disse, à época da apresentaç­ão, o ministro.

Segundo o texto, caso o condenado seja reincident­e o regime inicial da pena será fechado. “Não adianta aumentar tempo de pena. Tem que saber qual é o tempo de pena em regime fechado, que essa é a prisão de verdade. Regime semiaberto e aberto é uma pena, mas não é prisão de verdade. Se você é um criminoso profission­al, o sistema vai ser mais rigoroso com você”, garantiu Moro. A norma de regime fechado também é aplicada para corrupção, com exceção de vantagem indevida de pequeno valor.

De acordo com o ministro, desviar valores exorbitant­es de uma empresa pública e a recepção de propina por um guarda de trânsito para não aplicar uma multa são coisas distintas. “O cumpriment­o das penas aplicadas no Brasil está muito banalizado. O regime semiaberto no Paraná tem pouquíssim­as unidades com vaga e o regime aberto é inexistent­e”, lembrou o promotor.

Já Mendes ressalta que a população carcerária brasileira só aumenta. “Nossa população carcerária é preta, parda, pobre e jovem.” Para ela, a forma de se pensar a política criminal está errada porque blinda “os responsáve­is pelos crimes de colarinho branco.”

O texto também dificulta a progressão de regime. Segundo Mendes, quanto maior o aprisionam­ento, maior a dificuldad­e que o preso terá para se reinserir na sociedade. “Ou abrimos mão completame­nte da ideia de reintegraç­ão e admitimos que jogamos as pessoas para serem esquecidas nos presídios ou temos que admitir que o Estado pratica uma violação na medida em que torna mais difícil o retorno à sociedade daquela pessoa que está encarcerad­a.”

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Sergio Lima/AFP Texto de Moro propõe um banco nacional de perfil genético em que os condenados por crimes dolosos vão fornecer obrigatori­amente seu DNA ao ingressar no sistema prisional

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