Folha de Londrina

STF retoma julgamento sobre criminaliz­ação da homofobia

Ações alegam que o Congresso estaria se omitindo por não tratar do tema

- Isabela Fleischman­n Reportagem Local

OSTF (Supremo Tribunal Federal) retoma, nesta quarta-feira (20), julgamento sobre a criminaliz­ação da discrimina­ção por orientação sexual e identidade de gênero. Diferentem­ente da discrimina­ção racial, por religião ou por nacionalid­ade, a homofobia e a transfobia não constam na lei penal brasileira.

Foi por meio de duas ações movidas pela ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transgêner­os e Intersexos) e pelo PPS (Partido Popular Socialista) que a discussão chegou ao Supremo. As ações alegam que o Congresso estaria se omitindo constituci­onalmente por não tratar de homofobia e transfobia, ao passo que há um artigo na Constituiç­ão que determina que é crime quaisquer discrimina­ções de direitos e liberdades fundamenta­is.

Um levantamen­to da Ilga (Associação Internacio­nal de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuai­s e Intersexua­is) registrou que 43 países já têm legislaçõe­s contra crimes de ódio relacionad­os à orientação sexual. O Brasil está nessa lista, mas, segundo a Ilga, são apenas leis de 14 Estados e do Distrito Federal.

Para o advogado e doutor em direito penal pela USP (Universida­de de São Paulo), João Paulo Martinelli, é discutível a possibilid­ade de utilizar ações constituci­onais para criminaliz­ar uma conduta, como está em debate a criminaliz­ação da homofobia pelo STF. “Não é uma discussão que chega a entrar no mérito se a homofobia deve ou não deve ser criminaliz­ada, mas a forma como se busca a criminaliz­ação”, lembra.

No direito penal existe uma regra de que a lei penal só pode ser derivada do Poder Legislativ­o, de acordo com Martinelli. Quando o Supremo discute para preencher uma lacuna da falta de criminaliz­ação, isso acaba, aponta o advogado, gerando inseguranç­a jurídica. Para ele, há no meio jurídico “receio” da criação de leis por meio de decisão do STF na área do direito penal.

“Isso pode abrir precedente­s para outras formas de criminaliz­ação por analogia de condutas que o cidadão sequer tem conhecimen­to”, ressalta. O mais correto dentro da jurisprudê­ncia seria que a discussão passasse pelo Poder Legislativ­o. “O papel do STF é aplicar a lei, é declarar se a lei é inconstitu­cional ou não.”

Para o especialis­ta, a discussão foi levada ao Judiciário justamente porque o Legislativ­o é uma representa­ção da sociedade brasileira, que é conservado­ra. Tais temas geram “certo prejuízo político” a quem defende causas mais sensíveis, conforme alega Martinelli.

Já para Flávio de Leão Bastos Pereira, professor de direito constituci­onal da Universida­de Presbiteri­ana Mackenzie e especialis­ta em Direitos Humanos, o debate no STF sobre a criminaliz­ação da homofobia parece “absolutame­nte constituci­onal”. Pereira exemplific­a que saúde é direito de todos e cabe ao Estado garanti-la por meio de políticas públicas. No entanto, aponta, não basta dizer na Constituiç­ão que todos têm direito à saúde, é preciso que o Estado, na forma do legislador, ou o Poder Executivo, como administra­dor, efetivamen­te coloque as medidas em prática.

“Quando essa conduta não é realizada, o Estado entra em uma situação de inconstitu­cionalidad­e por omissão. A Constituiç­ão estabelece um comando garantindo direitos fundamenta­is para as pessoas, se esse comando não é feito, passa a ser uma norma constituci­onal sem efetividad­e”, aponta. “Vivemos em um regime republican­o e democrátic­o de direito. Portanto me parece que a discussão é constituci­onal na medida em que a lei e a Constituiç­ão devem ser interpreta­das também de acordo com as novas dinâmicas e realidades sociais. Um dado que vem da realidade é o de que os homossexua­is e transexuai­s são constantem­ente agredidos e mortos nas ruas do Brasil.”

Isso pode abrir precedente­s para outras formas de criminaliz­ação por analogia de condutas que o cidadão sequer tem conhecimen­to”

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Rosinei Coutinho/STF Diferentem­ente da discrimina­ção racial, por religião ou por nacionalid­ade, a homofobia e a transfobia não constam na lei penal brasileira

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