STF retoma julgamento sobre criminalização da homofobia
Ações alegam que o Congresso estaria se omitindo por não tratar do tema
OSTF (Supremo Tribunal Federal) retoma, nesta quarta-feira (20), julgamento sobre a criminalização da discriminação por orientação sexual e identidade de gênero. Diferentemente da discriminação racial, por religião ou por nacionalidade, a homofobia e a transfobia não constam na lei penal brasileira.
Foi por meio de duas ações movidas pela ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transgêneros e Intersexos) e pelo PPS (Partido Popular Socialista) que a discussão chegou ao Supremo. As ações alegam que o Congresso estaria se omitindo constitucionalmente por não tratar de homofobia e transfobia, ao passo que há um artigo na Constituição que determina que é crime quaisquer discriminações de direitos e liberdades fundamentais.
Um levantamento da Ilga (Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Intersexuais) registrou que 43 países já têm legislações contra crimes de ódio relacionados à orientação sexual. O Brasil está nessa lista, mas, segundo a Ilga, são apenas leis de 14 Estados e do Distrito Federal.
Para o advogado e doutor em direito penal pela USP (Universidade de São Paulo), João Paulo Martinelli, é discutível a possibilidade de utilizar ações constitucionais para criminalizar uma conduta, como está em debate a criminalização da homofobia pelo STF. “Não é uma discussão que chega a entrar no mérito se a homofobia deve ou não deve ser criminalizada, mas a forma como se busca a criminalização”, lembra.
No direito penal existe uma regra de que a lei penal só pode ser derivada do Poder Legislativo, de acordo com Martinelli. Quando o Supremo discute para preencher uma lacuna da falta de criminalização, isso acaba, aponta o advogado, gerando insegurança jurídica. Para ele, há no meio jurídico “receio” da criação de leis por meio de decisão do STF na área do direito penal.
“Isso pode abrir precedentes para outras formas de criminalização por analogia de condutas que o cidadão sequer tem conhecimento”, ressalta. O mais correto dentro da jurisprudência seria que a discussão passasse pelo Poder Legislativo. “O papel do STF é aplicar a lei, é declarar se a lei é inconstitucional ou não.”
Para o especialista, a discussão foi levada ao Judiciário justamente porque o Legislativo é uma representação da sociedade brasileira, que é conservadora. Tais temas geram “certo prejuízo político” a quem defende causas mais sensíveis, conforme alega Martinelli.
Já para Flávio de Leão Bastos Pereira, professor de direito constitucional da Universidade Presbiteriana Mackenzie e especialista em Direitos Humanos, o debate no STF sobre a criminalização da homofobia parece “absolutamente constitucional”. Pereira exemplifica que saúde é direito de todos e cabe ao Estado garanti-la por meio de políticas públicas. No entanto, aponta, não basta dizer na Constituição que todos têm direito à saúde, é preciso que o Estado, na forma do legislador, ou o Poder Executivo, como administrador, efetivamente coloque as medidas em prática.
“Quando essa conduta não é realizada, o Estado entra em uma situação de inconstitucionalidade por omissão. A Constituição estabelece um comando garantindo direitos fundamentais para as pessoas, se esse comando não é feito, passa a ser uma norma constitucional sem efetividade”, aponta. “Vivemos em um regime republicano e democrático de direito. Portanto me parece que a discussão é constitucional na medida em que a lei e a Constituição devem ser interpretadas também de acordo com as novas dinâmicas e realidades sociais. Um dado que vem da realidade é o de que os homossexuais e transexuais são constantemente agredidos e mortos nas ruas do Brasil.”
Isso pode abrir precedentes para outras formas de criminalização por analogia de condutas que o cidadão sequer tem conhecimento”