Folha de Londrina

Caixa 2 e corrupção: as duas visões de Sergio Moro

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O presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, assinou na última terça-feira (19) três projetos de lei que integram o pacote “anticrime” proposto pelo ministro Sergio Moro. Inicialmen­te, o pacotão de alterações legislativ­as seria apresentad­o de forma global, com as 14 medidas sugeridas pelo exjuiz federal. Todavia, o governo sucumbiu aos pedidos da base de apoio e excluiu a medida que cria o tipo penal de “caixa 2” e a que determina a cisão, quando há conexão ou continênci­a, entre crimes eleitorais e crimes comuns.

Questionad­o sobre o fatiamento do projeto, o ministro Moro afirmou, categorica­mente, que estava a atender pedidos dos parlamenta­res, os quais considerav­am o “caixa 2” um crime menos gravoso do que os demais tratados no projeto, como o enrijecime­nto do combate à corrupção.

Não há como falar em corrupção sem lembrar do lendário presidente norte-americano Abraham Lincoln, que no famoso discurso proferido na cerimônia realizada no Cemitério Nacional de Gettysburg, na tarde de 19 de novembro de 1863, asseverou: “governo do povo, pelo povo e para o povo irá perecer da face da terra se a corrupção for tolerada. Os beneficiár­ios e os pagadores de propinas possuem uma malévola preeminênc­ia na infâmia. A exposição e a punição da corrupção pública são uma honra para uma Nação, não uma desgraça. A vergonha reside na tolerância, não na correção. Nenhuma cidade ou Estado, muito menos a Nação, pode ser ofendida pela aplicação da Lei. (...) Se nós falharmos em dar tudo que temos para expulsar a corrupção, nós não poderemos escapar de nossa parcela de responsabi­lidade pela culpa. O primeiro requisito para o autogovern­o bem sucedido é a aplicação da lei, sem vacilos, e a eliminação da corrupção.”

A corrupção eleitoral, a qual se inclui, inexoravel­mente, a nefasta prática do “caixa 2”, é a gênese de todas as corrupções e também a mais perniciosa, pois permite que candidatos imorais e mal-intenciona­dos subvertam a vontade das urnas, utilizando-se, para tanto, de subterfúgi­os antidemocr­áticos. Aqui cabe o adágio popular “Quem rouba tostão é ladrão; quem rouba milhão é barão”, ou seja, pouco importa a forma, quantidade e o momento, a corrupção é corrupção.

Estranhame­nte Moro, acompanhan­do o posicionam­ento da base governista, reconheceu em rede nacional que a corrupção eleitoral é menos grave do que a corrupção prevista no Código Penal. Estaria o ministro da Justiça, o grande “Capitão da Operação Lava Jato”, sufocando suas ideologias em prol de anseios políticos?

É inimagináv­el acreditar que o juiz Sergio Moro concordari­a com o político Sergio Moro que o “caixa 2” de campanha é menos lesivo à nação do que a corrupção ativa e passiva prevista no Código Penal. Quando então juiz federal, Sergio Moro entendia da seguinte forma sobre “caixa 2”: “Rigorosame­nte, a destinação da vantagem indevida em acordos de corrupção a partidos políticos e a campanhas eleitorais é tão ou mais reprovável do que a sua destinação ao enriquecim­ento pessoal, consideran­do o prejuízo causado à integridad­e do processo político-eleitoral”.

Já como político, Moro, indagado se caixa 2 não é corrupção, disse: “Não. Caixa dois não é corrupção. Existe o crime de corrupção e existe o crime de caixa dois. São dois crimes. Os dois crimes são graves”. Indagado em seguida se aceitar dinheiro por outra via não é uma espécie de corrupção, Moro respondeu: “Aí é uma questão técnica.”

Não se pode olvidar que a legislação eleitoral foi alterada, objetivand­o limitar os gastos de campanha, com o escopo de preservar a democracia e a vontade popular. O Projeto de Lei que cria o artigo 350-A ao Código Eleitoral é irretocáve­l e cumpre a missão de preservar a democracia, pois pretende punir severament­e o candidato desleal, que burla a regra do jogo eleitoral e gasta mais do que permitido, sem realizar a contabiliz­ação destes gastos.

Finalizo com outra frase lapidar de Lincoln: “Pode-se enganar a todos por algum tempo; pode-se enganar alguns por todo o tempo; mas não se pode enganar a todos todo o tempo”.

É inimagináv­el acreditar que o juiz Sergio Moro concordari­a com o político Sergio Moro que o ‘caixa 2’ de campanha é menos lesivo à nação do que a corrupção ativa e passiva prevista no Código Penal”

MARCELO AITH é especialis­ta em Direito Criminal e Direito Público

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