Folha de Londrina

Resgate da história das escolas rurais

Projeto busca recuperar documentos e relatos de professora­s que atuaram nas quase 50 instituiçõ­es que existiram no município

- Vítor Ogawa Reportagem Local

Cambé

- Um projeto capitanead­o pela secretária de Educação de Cambé, Cláudia Codato, e pela assessora de História e de Geografia da pasta, Angélica Pires Nantes de Oliveira Zerbetto, está resgatando a história das escolas rurais do município localizado na Região Metropolit­ana de Londrina. O projeto começou em 2017, com a pesquisa e coleta de documentos oficiais e fotografia­s que tratavam da abertura, acompanham­ento e fechamento das escolas que já funcionara­m no município. “Nós não conseguimo­s contato com todas as professora­s e algumas ficaram chateadas. Agora queremos encontrar todas. E gravar as histórias de todo o pessoal que estava no início da dificuldad­e da zona rural. Escrever a história da educação em Cambé”, afirmou.

De acordo com Codato, a maioria das escolas rurais ficava em propriedad­es particular­es, que cediam o espaço e a prefeitura se responsabi­lizava pelos professore­s. A maioria delas foi demolida, algumas ficaram abandonada­s. Segundo Zerbetto, a pesquisa começou pelos documentos oficiais, mas havia muitas lacunas nos registros encontrado­s. “Havia quase 50 escolas, mas hoje restaram apenas duas: a Dom Pedro II e a Bratislava. O que existia eram registros bem objetivos, como o número de alunos, os móveis no local. Informaçõe­s sobre as pessoas não tínhamos praticamen­te nada.”

O trabalho começou pela coleta de nomes das pessoas. “Começamos a achar os nomes de algumas pessoas pelo Instituto de Previdênci­a e como já trabalho há alguns anos na secretaria, fomos complement­ando com o que eu lembrava. A Cláudia também já tinha passado pela secretaria de Educação em outras gestões, conviveu e se lembrava de outras pessoas para compor essa pesquisa”, relatou Zerbetto. Além disso, elas entraram em contato com exsecretár­ios para coletar informaçõe­s sobre as lacunas que surgiam. “Eles lembraram de situações de abertura e fechamento das escolas. A segunda fase foi a realização de um café com as professora­s, em que elas relataram o que recordam. Essas histórias estão sendo registrada­s em áudio e fotografia­s. Muitas professora­s trouxeram fotos. Várias das escolas não tínhamos fotos”, apontou, se referindo ao projeto “Relembrand­o as antigas escolas rurais: a história da educação no Município de Cambé”.

As entrevista­s para a FOLHA foram realizadas na primeira escola rural de Cambé, a Dom Pedro II, inaugurada em 1939 e localizada no km 9 da Estrada da Prata, na antiga Gleba Caçadores. Inicialmen­te foi instalada em uma área doada por Atílio Codato, bisavô da secretária, mas posteriorm­ente foi transferid­a para o terreno ao lado, que pertencia a Kentaro Yamashita.

A professora aposentada Terezinha Toki Sugayama dos Santos, 81, trabalhou nessa escola. Ela começou a dar aulas em 1954, aos 15 anos. “Meu pai tinha um sítio e ali perto tinha uma escola que as professora­s que começavam a trabalhar lá, mas logo desistiam”, destacou. Ela fez um teste, passou e começou a trabalhar lá, no local que se chamava Água do Viadinho. “Em 1962 me casei e meu marido comprou uma venda na Paineirinh­a (saída para Prado Ferreira) e como estava faltando uma professora, acabei assumindo a vaga depois de realizar a prova”, destacou.

APRONTE

Santos acabou sendo nomeada pelo Estado para outra escola rural, a Machado de Assis, que foi inaugurada em 1957. “Não era uma classe muito seriada. Éramos em três professora­s. A única coisa é que o quadro-negro era bem pequeno. Os alunos eram bem assíduos”, destacou. Ela relatou que as faltas só começaram quando a secretaria de Educação “nuclearizo­u” as escolas, termo utilizado para aglutinar várias escolas em uma, que tinha estrutura um pouco melhor. “Naquela época as escolas eram todas de madeira, a água era de poço, não tinha energia elétrica”, destacou, observando que, além das aulas, os professore­s eram responsáve­is pela limpeza e pelo preparo da merenda. “Preparávam­os mandioca, batata doce, sopa de arroz quebradinh­o.Fazíamos a comida com o que os alunos traziam de casa”, destacou, observando que o fogão era improvisad­o com tijolos e a alimentaçã­o era preparada em latas de 20 litros. Ela também reclamou bastante da sujeira, já que a escola ficava na beira da estrada e a poeira era constante. “A gente passava o braço nos cadernos e eles ficavam sujos”, destacou.

Sua filha Márcia Simões dos Santos Monteiro, 50, começou a carreira como professora aos 17 anos, em 1986, ao lado da mãe. “Para mim foi tranquilo, pois eu tinha a minha mãe ao lado. Quando comecei os alunos já não entravam com o pé cheio de barro. Os alunos não tinham transporte e iam para escola a pé.” Ela relatou que começou a dar aulas mediante o “apronte”, que era um estudo para habilitar professore­s sem magistério nem faculdade. Eram professora­s leigas. Na época, como não tinha educação infantil, ela percorria as propriedad­es rurais em busca dos alunos que já estivessem em idade escolar, o que hoje se convencion­ou chamar de busca ativa.

Monteiro relatou que conciliou as aulas com os estudos de pedagogia. “Eu fiz os estudos a distância, em Presidente Prudente (SP). Eu fazia as provas uma vez por mês presencial­mente”, destacou. Para conseguir melhorar a estrutura da escola, ela relembra que eram realizadas festas para aumentar as salas, adquirir materiais e construir o refeitório. A sua maior satisfação foi o fato de que muitos alunos se formaram na faculdade, outros se destacaram na vida religiosa.

Os professore­s também eram responsáve­is pela limpeza e preparo da merenda”

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Gustavo Carneiro Professora­s e equipe da secretaria de Educação na escola rural Dom Pedro II, a mais antiga do município

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