Folha de Londrina

Essa menina não me é estranha

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Carolina dedicava boa parte do seu tempo a atividades filantrópi­cas. Voluntária no lar infantil da cidade, dava aulas de culinária e bordado para as meninas pobres. O curso de bordado, porém, tinha uma limitação de idade: só podia participar quem tivesse mais de dez anos.

Certo dia, ao final de uma aula, Carolina foi procurada por uma garotinha franzina, de olhos castanhos e cabelos cacheados, que usava um vestidinho verde e chinelos de dedo. Era evidente que tanto a roupa quanto o chinelo haviam pertencido antes a outra pessoa, talvez uma irmã mais velha.

A menina lançou um olhar sobre os panos de prato que se achavam sobre a mesa de Carolina. “Bonitos.”

“Achou? Foram as minhas alunas que fizeram.”

A menina hesitou por um instante, mas mordeu o lábio inferior, tomou fôlego e disse:

“Eu queria fazer o curso.”

“Ótimo. Quantos anos você tem?” “Nove.”

“Ah, que pena. Você só vai poder se matricular no ano que vem.” “Mas...”

Os olhos da menina passaram do castanho para o verde com uma rapidez assustador­a. Ela repetiu:

“Mas... Mas... Eu queria tanto!”

Na mesma velocidade com que mudaram de cor, os olhos da menina marejaram, e os lábios tremeram.

Por um momento, Carolina, sempre tão calma, sentiu também uma estranha vontade de chorar. Tomou as mãos da menina e disse, em voz baixa:

“Se você quer tanto, vamos combinar uma coisa? Faz de conta que você tem dez anos.”

A menina sorriu, mas o sorriso foi eclipsado por uma nova transforma­ção operada em seus olhos. O verde agora ganhava uma tonalidade fulgurante, quase etérea, e as pupilas pareciam dois pontos finais. O mais incrível, porém, é que Carolina conhecia aqueles olhos de algum lugar. “Obrigado, professora!”

Carolina abriu a gaveta e tirou uma ficha de inscrição. Quando a menina lhe disse o nome do pai, a professora sentiu um aperto no coração, e chorou. *******

No dia seguinte, as alunas do curso de bordado estavam em polvorosa. Uma delas veio correndo até Carolina e disse:

“Professora, professora!

Essa Renata é uma mentirosa. Fica dizendo pra todo mundo que é sua irmã!”

“Ela não está mentindo, meninas. Agora sentem-se, que a aula vai começar.”

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