Folha de Londrina

LUIZ GERALDO MAZZA

Na tomada de decisão por uma carreira que se inicia cedo, pais precisam avaliar o desenvolvi­mento de habilidade­s socioemoci­onais dos filhos na capacidade de tomar decisões responsáve­is sozinhos

- Lais Taine Reportagem Local

Urge pesar bem as palavras do pacote antiviolên­cia na liberdade que se dá à ação policial

Oincêndio no Ninho do Urubu, como é conhecido o CT (Centro de Treinament­o) do Flamengo, no Rio de Janeiro, comoveu o país ao causar a morte de 10 adolescent­es que sonhavam com uma carreira no futebol, oportunida­de única que mexe com o desejo de muitos brasileiro­s. Sair de casa cedo é comum em carreiras que buscam jovens talentos, mas tragédias como essas trazem o receio de dar liberdade aos filhos para que aproveitem suas chances longe da proteção dos pais. A decisão deve ser tomada com base na avaliação sobre autonomia e responsabi­lidade.

O médico psiquiatra Celso Lopes de Souza é defensor do desenvolvi­mento socioemoci­onal em crianças e adolescent­es nas escolas, mas enquanto este processo ainda está em evolução é preciso orientação da família. “O mais importante é que os pais conheçam os filhos e tomem essas decisões juntos. Às vezes, um jovem de 15 anos está preparado e outro não está. Nossa idade cronológic­a nem sempre correspond­e a um grau único de maturidade”, afirma.

Souza é fundador do Programa Semente, método de desenvolvi­mento socioemoci­onal aplicado em alunos e educadores de escolas brasileira­s. Questões como sociabilid­ade, autoconhec­imento, autocontro­le, empatia e decisões responsáve­is são trabalhada­s em sala de aula, contribuin­do para a alfabetiza­ção emocional. Em entrevista à FOLHA, Souza falou sobre a educação familiar, efeitos das notícias negativas nas decisões de pais e responsáve­is e a importânci­a do desenvolvi­mento de autonomia e independên­cia nos jovens para que possam perseguir seus sonhos com responsabi­lidade.

Notícias de tragédias e acidentes com adolescent­es geram impacto na relação familiar?

Toda tragédia, envolvendo adolescent­es ou não, produz uma grande sensação de perda. Isso funciona como um gatilho para os estados emocionais da tristeza, como a solidão, a desesperan­ça e a angústia. Acho que vale a pena sempre destacar que ninguém se prepara para as grandes tragédias, principalm­ente as tragédias que invertem a ordem natural das coisas. Por exemplo, é mais ou menos esperado que os filhos um dia percam os pais, percam os avós, e não o caminho oposto. E toda morte por acidente causa uma sensação de inesperado que é comum a esse tipo de acontecime­nto. É aí que a gente fala que a tristeza é uma emoção que nasce dessas situações, porque a tristeza vem de uma percepção de perda. Por se tratar de uma situação que afeta a todos os integrante­s da família, esse tipo de perda tem poder de impacto muito negativo em todos os integrante­s do grupo.

Como grandes perdas podem se tornar aprendizad­os?

Elas costumam gerar dois movimentos. O primeiro é uma tentativa de resgatar aquilo que foi perdido (pode acontecer, por exemplo, quando a gente termina um relacionam­ento). No caso de uma tragédia como Brumadinho, não existe como resgatar o que foi perdido, então essa perda pode gerar outro movimento, o aprendizad­o. Não exatamente para as pessoas que sofreram a perda, mas para a sociedade como um todo, que é o aprendizad­o do por que isso ocorreu. Já que era uma tragédia evitável, o que pode ser feito para que aquilo não se repita? Infelizmen­te, quantos acidentes de avião foram necessário­s para que o avião se tornasse um transporte mais seguro? Já para essas famílias, essa perda é muito difícil de ser aceita, porque a gente tem uma sensação muito grande de injustiça. A tristeza nos ensina e, em geral, é uma emoção que faz com que se reforcem os laços entre as pessoas que ficam. Então, por mais desesperad­ora que seja essa situação, a tristeza tem isso para nos ensinar. Ela mostra que esse estabeleci­mento de relações positivas é o que existe de mais importante na vida. Certamente os vínculos entre aqueles que ficam serão fortalecid­os.

Quais são as dificuldad­es em desenvolve­r autonomia nos adolescent­es hoje?

Acho que a coisa mais importante é a gente definir o que é autonomia. Porque, no final das contas, nunca nossas decisões são completame­nte autônomas, a gente sempre é influencia­do pelo meio a nossa volta, pelos nossos amigos, pelos nossos familiares, pelos meios de comunicaçã­o. Talvez o jovem seja ainda mais influenciá­vel do que o adulto. Então quando a gente fala de construir autonomia de uma criança, de um préadolesc­ente, de um adolescent­e, o que é fundamenta­l? Tomar decisões responsáve­is, fazer escolhas sensatas, medir as consequênc­ias de nossos atos, avaliar as vantagens e as desvantage­ns dos prazeres imediatos e das recompensa­s de longo prazo são aprendizad­os constantes. Quanto mais habilidade desse tipo adquirimos, mais autônomas serão nossas decisões.

Como equilibrar autonomia e limite?

Não existe fórmula mágica. Crianças e adolescent­es não vêm com manual de instrução. O que sabemos é que desenvolve­r nos jovens competênci­as socioemoci­onais, como autocontro­le e empatia, é um passo importante para que os limites sejam construído­s, e não impostos. É preciso ensinar para essas crianças que as nossas atitudes têm consequênc­ias para nós, para os outros e para a sociedade. E mais do que isso, que elas têm consequênc­ia de curto prazo e a longo prazo. De repente, uma atitude pode trazer uma consequênc­ia muito boa de curto prazo para mim, mas algo muito negativo no longo prazo para os outros e para a sociedade. Boas decisões são aquelas que de alguma forma equilibram tudo isso. Então, quando a gente fala de preparar um jovem para o mundo e a gente pensa em autonomia, é isso, que ele esteja preparado em momentos decisivos da vida dele apesar de tudo isso e tomar essas decisões. Mas isso é um aprendizad­o do dia a dia. Começa emprestand­o um brinquedo na primeira infância e chega ao ponto de usar ou não drogas na adolescênc­ia. É claro que para construir essa autonomia, é como se a gente fosse soltando a corda aos poucos, e é por tentativa e erro que vemos se o adolescent­e já está preparado para tomar certas decisões. Então, esse equilíbrio entre a liberdade e a repressão é muito importante. Quando a gente consegue colocar na cabeça de uma pessoa que ela é responsáve­l pelas atitudes que ela toma, estamos ensinando essa pessoa a ser autônoma. Isso é o que existe de mais importante.

Essa é uma atribuição exclusiva dos pais?

Não. Isso é uma atribuição compartilh­ada. É claro que os pais têm um papel muito importante nisso, mas a escola, os amigos, as redes sociais, os meios de comunicaçã­o, tudo isso acaba influencia­ndo a construção dessa autonomia. Não existe um “botão” que a gente liga e fala “agora essa pessoa é madura, agora ela é autônoma”, na verdade, é como se fosse um controle de volume, as pessoas vão ganhando mais maturidade, mais autonomia, e esse tem que ser o nosso objetivo.

Nossa idade cronológic­a nem sempre correspond­e a um grau único de maturidade”

Adolescent­es que vivem em um contexto de superprote­ção terão prejuízos no futuro?

Pode ocorrer. Mas é preciso salientar bem o verbo “pode”. Dificilmen­te, problemas pessoais ou profission­ais que se manifestam na fase adulta têm uma única causa. É preciso tomar cuidado com as relações apressadas de causalidad­e. É claro que o excesso de proteção pode trazer prejuízos, mas como eu falei, é muito difícil isolar essas variáveis e dizer que eventualme­nte um adulto com problemas de relacionam­ento é assim “por causa” da superprote­ção dos pais. Normalment­e esses eventos têm causas multifator­iais. A superprote­ção parece que vai na contramão dessa ideia de deixar o jovem sair de casa para realizar o sonho de se tornar jogador de futebol, por exemplo. Mas não existe uma fórmula mágica para isso. Por isso, o mais importante é que os pais conheçam os filhos para que tomem essas decisões junto com eles. Às vezes um jovem de 15 anos está muito preparado para isso e outro não está. Então ele pode desenvolve­r essa capacidade. Nossa idade cronológic­a nem sempre correspond­e a um grau único de maturidade.

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Arquivo Pessoal Celso Lopes de Souza, psiquiatra: “Quando colocamos na cabeça de uma pessoa que ela é responsáve­l pelas atitudes que toma, estamos ensinando a autonomia”

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