Mourão e a conciliação latino-americana
Ofim de semana foi agitado com os caminhões brasileiros de “ajuda humanitária” à Venezuela sendo impedidos de entrar no país, enquanto a população dividida manifestava-se contra ou a favor do governo de Nicolás Maduro. As investidas de Donald Trump, principal articulador da intervenção na Venezuela, apoiado por 11 países da América Latina, incluindo o Brasil, lançam dúvidas sobre a “ajuda humanitária”, chamada de Cavalo de Troia por alguns analistas, que entendem a ação como intervencionismo puro e simples. Na contrapartida, vozes solidárias a quem sofre as sequelas do governo Maduro - que deixou a população com escassez absoluta de itens básicos como alimentação, produtos de higiene e até remédios - entendem a intervenção como necessária.
O impasse lembra os anos da Guerra Fria, quando os EUA e a União Soviética protagonizaram embates indiretos em países estratégicos. Como pano de fundo do conflito atual, há quem aponte o interesse nos campos petrolíferos da Venezuela como o real motivo das tentativas de intervenção. Analistas fazem até um mapa das intervenções relativamente recentes dos EUA aos países do Oriente Médio, tendo Afeganistão, Iraque e Síria no centro da celeuma e sofrendo suas principais consequências a longo prazo.
Na última sexta-feira (22), o presidente Jair Bolsonaro reafirmava sua disposição de oferecer “ajuda humanitária aos venezuelanos por meio de repasse de 200 toneladas de alimentos”, ao mesmo tempo que Maduro decretava o fechamento da fronteira do Brasil com a Venezuela. A mesma situação se reproduziu em relação à Colômbia, com o agravamento de Caracas ter rompido relações diplomáticos com este país latino-americano.
No fim de semana,a intervenção proposta pelos EUA. que em princípio parecia fácil, tornou-se difícil com milhares de venezuelanos indo às ruas em apoio a Nicolás Maduro, que discursou longamente na tarde de sábado (23), conclamando a população à resistência.
Na segunda-feira (25), os 11 países que formam o Bloco de Lima - criado pelo governo peruano em 2017 para pressionar o regime de Maduro - reuniram-se em Bogotá e o Brasil teve o vice-presidente, general Hamilton Mourão, como seu representante.
Parecendo sempre mais disposto ao diálogo que ao conflito, Mourão negou o clima de “Guerra Fria transportada para a América Latina”. E chegou a afirmar a jornalistas que “são os outros países, as grandes potências que têm interesse na Venezuela, e que seria muito ruim trazer um clima da antiga Guerra Fria para dentro do hemisfério ocidental, para a América do Sul.” Mas também afirmou que “Maduro está oprimindo seu povo de maneira brutal” e ressaltou que o governo brasileiro reconhece que a Venezuela “não vai conseguir se livrar sozinha do regime de Maduro.”
Pelo sim, pelo não, o general experiente parece mais cauteloso que as vozes que se juntam a Trump sem compreender muito bem a situação geopolítica que coloca a Venezuela na berlinda, sem que seus vizinhos sejam de fato os principais atores envolvidos numa crise que deve se prolongar até um desfecho imprevisível.
Enquanto os EUA saíram da reunião ameaçando a Venezuela com “sanções mais fortes”, o representante do Brasil parece pensar por si mesmo e tomou o caminho da conciliação, pelo menos após esta reunião crucial, para afirmar: “O Brasil acredita firmemente que é possível devolver a Venezuela ao convívio democrático das Américas sem qualquer medida extrema que nos confunda com aquelas nações que serão julgadas pela história como agressoras, invasoras e violadoras das soberanias nacionais.” Para bons entendedores, meia conciliação já basta, ainda que novos fatos possam determinar uma arrancada de medidas não só sanguíneas como também sangrentas. E é claro que ninguém de bom senso deseja isso.