Pequena coleção de lugares imaginários
1. O elevador panorâmico
Na noite passada, sonhei de novo com ele. O prédio em que eu moro tem dois elevadores, mas nos meus sonhos tem três. Esse terceiro elevador, cujo acesso se dá por uma passagem secreta, é panorâmico e não cumpre o itinerário habitual dos elevadores. A partir de certo andar, ele passa a se movimentar horizontalmente, como se fosse um trem ou avião. Tem uma grande janela pela qual posso observar toda a paisagem: um parque com muitas árvores, onde famílias de vizinhos desconhecidos, mas simpaticíssimos, passeiam tranquilamente; edifícios que têm o mesmo nome do meu, apenas acrescido de algarismos romanos; uma feirinha com barracas de pastéis, frutas, antiguidades e cervejas artesanais. Meu elevador panorâmico lembra um pouco o do filme “A Fantástica Fábrica de Chocolate”, que sempre passava na Sessão da Tarde.
2. O sebo na curva da avenida
Jamais descobri o seu endereço. Posso apenas dizer que se você vier andando pela Souza Naves, a partir do Centro Comercial, e antes de chegar à Santa Casa descer em direção à Mato Grosso, e seguir várias quadras, até a Raposo Tavares, rumo ao Zerão, vai encontrar um sebo de livros raros instalado numa casa de madeira que muito lembra o antigo Bar Valentino, até por localizar-se numa curva da Avenida Bandeirantes. Ali eu sempre acho obras que vinha procurando há muitos anos, mas nunca encontrava, e também alguns livros desconhecidos de autores de minha preferência. Lá eu vi o romance que Tchekhov nunca escreveu e uma peça teatral sobre o Cabo Anselmo, além de uma antologia de poemas assinados por meu amigo Ricardo Nelson Rodrigues. Quando estou com os livros nas mãos e me dirijo ao caixa, onde sorri uma garota nissei, invariavelmente acordo.
3. O bar oculto da Vila Nova
Há muitos anos, o Pafu e o Bruschi me levaram de carro até esse bar, numa esquina da Vila Nova. Um grupo tocava pagode, as pessoas pareciam muito alegres e uma garota loira de olhos verdes olhou ironicamente para mim e me mandou um beijo. Só me lembro disso; não sei se esse bar existe.
4. Clube da Esquina
Há 20 anos, o Marcelo Rocha ainda era aluno de jornalismo na UEL. Nas noites de domingo, ele me ligava do orelhão, convidando para tomar umas cervejas e comer um x-queca. Eu ia caminhando, da Rua Cacilda Becker até a esquina da JK com Alagoas, pensando nos meus fantasmas, mas quando chegava era uma alegria. O Clube da Esquina fechou há muitos anos, mas eu sempre sonho que estou lá, tomando Skol e comendo x-queca.
5. A mansão socialista
Essa quem me contou foi o professor Ricardo. Uma velha amiga, milionária esquerdista, pertencente a uma família tradicional do Rio, decidiu transformar sua mansão em soviete. Os verdadeiros donos da casa eram dois enormes pastores alemães, que não deixavam as visitas se aproximarem dos sofás. Galinhas haviam feito ninho sobre o piano de cauda, e lá chocavam seus ovos. As crianças corriam pela casa, cantando músicas do Caetano e do Chico. Por alguma razão, depois que o Ricardo me contou essa história, a mansão socialista passou a fazer parte dos meus lugares imaginários.