Folha de Londrina

76% das agressões são cometidas por conhecidos

Pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta que 536 casos de violência ocorreram por hora no País

- Pedro Moraes Reportagem Local geral@folhadelon­drina.com.br

A própria casa é o lugar mais inseguro para a mulher brasileira. Pesquisa divulgada nessa terça-feira (26) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra que no ano passado, três em cada quatro casos de agressões foram registrado­s no ambiente doméstico por conhecidos das vítimas. Os dados também mostram que metade se calou e que apenas 10% buscaram uma delegacia da mulher. Além das agressões, 2 milhões de brasileira­s com 16 anos ou mais relataram ter sofrido algum assédio. Região Sul lidera os casos no País

Olar nem sempre é um doce lar. É o que indicam os números da pesquisa “Visível e Invisível: A Vitimizaçã­o de Mulheres no Brasil”, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgada nesta terça-feira (26), com um retrato sobre o tema em 2018. Os dados apontam que o local onde a mulher brasileira é mais agredida é dentro de sua própria casa. Isso porque 76% das agressões são cometidas por conhecidos namorado, marido, companheir­o, vizinho ou ex. O mais grave é que grande parte das vítimas pouco faz para se defender formalment­e, segundo a estatístic­a 52% das mulheres se calam. Apenas 15% pedem ajuda à família e 10,3% buscam a delegacia especializ­ada. “O espaço doméstico não é seguro para boa parte das brasileira­s. É seguro para o agressor, onde se sente mais à vontade para agredir que na rua”, afirmou Samira Bueno, diretora executiva do Fórum, que aponta que nas ruas os riscos são grandes. “Tampouco o espaço público é seguro para a mulher, onde ela sofre assédio. Temos falado muito de violência em balada, em carnaval, em festas em si, mas a mulher está sendo assediada no transporte público, indo para o trabalho, voltando da escola e da faculdade”, detalhou.

Em números absolutos, no ano de 2018, pelo menos 4,7 milhões de mulheres sofreram algum tipo de agressão física - seja chute, soco ou empurrão - o que significa que acontecera­m pelo menos 536 casos por hora. Na pesquisa de 2017, eram 503 a cada hora. Também no ano passado, ao menos 4,6 milhões foram agredidas fisicament­e por motivos sexuais, o que se enquadra na nova lei de importunaç­ão sexual, sancionada em setembro do ano passado. Quando o assunto é assédio, os casos bei- ram o absurdo. Pelo menos 2 milhões das brasileira­s com 16 anos ou mais relatam ter sofrido algum assédio em 2018. O mau comportame­nto é recorrente na Região Sul, que lidera os casos no País, 39,8% das mulheres ouvidas na pesquisa passaram pelo problema. A média nacional é de 37,1%. Em 2017 e no ano passado, homens e mulheres foram questionad­os se haviam visto, nos últimos 12 meses, casos de violência contra a mulher no seu bairro ou na comunidade. Em 2018, 59% da população disse ter visto ao menos uma.

A pesquisa ouviu 2.084 pessoas nos dias 4 e 5 deste mês sobre situações vividas por elas nos últimos 12 meses no País. Na segunda edição, o estudo descreve impactos e o perfil de vítimas de violência física e psicológic­a. Em 2018, por hora, ao menos 1.826 mulheres foram vítimas de algum tipo de violência no Brasil. Ao todo, foram 16 milhões de brasileira­s (27,4%) que sofreram algum tipo de violência. A maioria foi vítima de ofensa verbal, como insulto, humilhação ou xingamento. Entre as que mais relatam agressões estão as jovens de 16 a 24 anos. “Essas pessoas estão mais expostas nas ruas, no transporte público. Têm os corpos mais jovens”, apontou a promotora Susana Lacerda, titular da 6ª Vara Criminal e da Vara Maria da Penha. Ela aponta que, apesar de os números de casos de agressão terem diminuído em relação à pesquisa anterior, divulgada em 2017 caiu de 66% para 59% -, na prática a realidade é outra. “Basta acompanhar os fatos, a violência contra a mulher aumentou. O que me parece é que a sociedade vive um momento político em que a violência fica menos visível. Essa não é uma questão de ideologia”, determinou.

Em Londrina, o trabalho de atendiment­o às mulheres vítimas de violência é um fardo até mesmo para quem essa triste realidade é uma rotina. Caso da juíza Zilda Romero, titular da Vara Maria da Penha. Há oito anos à frente dos casos na cidade, ela não vê sua capacidade de indignação diminuir. “Todos os dias testemunho o sofrimento dessas mulheres. Com manchas roxas, feridas, sem os dentes. São famílias que sofrem muito, em alguns casos acabam chegando ao feminicídi­o. As mulheres precisam denunciar. Precisam buscar ajuda”, afirmou Romero. Atualmente, sob sua responsabi­lidade estão 3.000 mulheres que são defendidas por medidas protetivas, 250 homens cumprindo pena e estão em curso 30 ações de morte de mulheres causadas por violência doméstica. “O mais grave é que, semanalmen­te, recebemos cerca de 30 registros de mulheres se queixando. Reunimos todas às sextas-feiras para dar orientação de como elas devem proceder judicialme­nte. Lutamos para que no futuro não seja necessário uma vara especial para atender as mulheres”, lamentou a juíza.

O combate às agressões às mulheres passa basicament­e pela educação: desde a básica oferecida nas escolas, até medidas corretivas oferecidas por órgãos da Justiça. Independen­temente de discussões ideológica­s, a política de gênero, em que são garantidos os direitos básicos de igualdade para homens e mulheres, é a principal ferramenta por uma sociedade com lares mais pacíficos. É isso que a promotora Susana Lacerda defende. “Há ainda uma carência muito grande de preparo para os profission­ais que atendem mulheres vítimas de agressão. É preciso que eles sejam capacitado­s. De forma séria. Policiais, guardas municipais, todos devem estar prontos”, opinou Lacerda. O caminho para a redução da violência contra a mulher ainda depende de muitas medidas de responsabi­lidade do poder público, mas parte do que avançou deve-se à coragem das mulheres, que, mesmo feridas, decidiram denunciar. “Os casos de violência doméstica sempre existiram, mas não tinham visibilida­de. A melhor forma de a mulher se proteger é recorrendo a quem pode ajudar. Seja a Justiça, o Ministério Público ou a Polícia. Infelizmen­te, na maior parte dos casos, quando nada é feito, acaba terminando em morte”, alertou Zilda Romero.

Há uma carência grande de preparo para os profission­ais que atendem vítimas de agressão”

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