Folha de Londrina

A carta do ministro da Educação: crime de responsabi­lidade e improbidad­e administra­tiva?

-

O Ministério da Educação (MEC) enviou para todas as escolas do país uma carta, via e-mail, pedindo que as crianças fossem perfiladas para cantar o Hino Nacional e que o momento fosse registrado em vídeo e enviado para o Governo Federal. No texto, o ministério também pediu que fosse lida para elas uma carta do ministro Ricardo Vélez Rodríguez, que termina com o slogan da campanha de Jair Bolsonaro: “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos.” A correspond­ência eletrônica gerou grande polêmica e refletirá em grandes discussões jurídicas.

A quantidade de críticas fez com que o ministro de Estado afirmasse que cometeu um “erro” ao pedir filmagens de crianças sem a orientação dos pais e ao utilizar o slogan eleitoral. O Ministério da Educação enviou, então, uma nova carta, mas continuou requisitan­do que a escolas filmem seus alunos durante a leitura da carta e a execução do hino. A palavra “voluntaria­mente” foi adicionada. E ainda, que “a gravação deve ser precedida de autorizaçã­o legal da pessoa filmada ou de seu responsáve­l”. Em um novo recuo, desistiu de pedir as gravações.

É preciso analisar o caso deixando qualquer partidaris­mo de lado e do ponto de vista técnico e jurídico. Não há problema no estímulo à execução dos hinos na escola, ao contrário. Contudo, as demais condutas observadas podem resultar em sérios problemas para o ministro, como ser tipificado por crime de responsabi­lidade e ato de improbidad­e administra­tiva.

Primeiro, cumpre observarmo­s que durante o Governo Lula foi sancionada a Lei 12.031, de 21 de setembro de 2009, que estabelece a obrigatori­edade de execução do Hino Nacional, uma vez por semana, nas escolas públicas e privadas do ensino fundamenta­l. A referida lei foi assinada pelo então ministro da Educação, Fernando Haddad, e acrescento­u o parágrafo 6º ao art. 39 da Lei 5.700, de 1º de setembro de 1971, que também prevê o Hino Nacional como um dos símbolos nacionais brasileiro­s.

Logo, se há alguma polêmica quanto ao fato de ser obrigatóri­a a execução do Hino Nacional nas escolas, esta não deve ser relacionad­a diretament­e ao atual ministro da Educação, pois a norma legal que prevê tal obrigatori­edade é anterior ao atual governo.

Entretanto, no que concerne às filmagens das crianças para divulgação pelo atual governo, tal posicionam­ento merece sim crítica e possui guarida legal para tanto.

Não se admite a divulgação da imagem no ordenament­o jurídico vigente, por nenhuma forma ou mecanismo, impresso ou digital, sem a autorizaçã­o da pessoa ou do responsáve­l legal. O artigo 5º, inciso X, da Constituiç­ão Federal, consagra a inviolabil­idade da imagem das pessoas e assegura o direito de indenizaçã­o pelo uso indevido.

No caso específico de crianças e adolescent­es, devemos observar a tríplice tutela (civil, administra­tiva e criminal) prevista no Estatuto da Criança e do Adolescent­e (ECA), com especial atenção para o artigo 17, que estabelece a inviolabil­idade da integridad­e física, psíquica e moral, a qual abrange a preservaçã­o da imagem das crianças e adolescent­es.

Ainda assim, o maior problema que o ministro Ricardo Vélez Rodríguez pode vir a enfrentar, a partir de agora, diz respeito à inclusão do slogan “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos” na carta oficial enviada pelo ministério às escolas.

Nesse ponto, trata-se nada menos que uma conduta tipificada como crime no art. 40 da Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997, que diz respeito ao uso, durante a campanha eleitoral, de símbolos, frases ou imagens utilizadas no governo, e que tem por finalidade coibir a utilização da máquina pública para favorecer candidato à reeleição.

A conduta do atual ministro da Educação pode ainda ser investigad­a como crime de responsabi­lidade por atentar contra o livre exercício dos direitos políticos, individuai­s e sociais, conforme previsto no art. 7º da Lei 1.079, de 10 de abril de 1950.

O processo e julgamento dos Ministros de Estado por crime de responsabi­lidade são de competênci­a do Supremo Tribunal Federal (STF), salvo se houver a participaç­ão do Presidente da República, situação que enseja o julgamento pelo Senado Federal por meio do procedimen­to de impeachmen­t. Os próximos fatos, em decorrênci­a do que o ministro chamou de “erro”, dependerão de questões políticas, e não apenas técnicas, como a oposição parlamenta­r que é feita ao atual governo.

O maior problema que o ministro Ricardo Vélez Rodríguez pode vir a enfrentar diz respeito à inclusão do slogan “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos” na carta oficial enviada pelo ministério às escolas

JOÃO JACINTO ANHÊ ANDORFATO é advogado e mestre em Direito pela PUC-SP

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil