Folha de Londrina

O Sol de Homero e a luz de Carpeaux

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Em recente encontro do Clube do Livro, tive a honra de falar sobre a vida e a obra de um dos mais importante­s nomes da alta cultura brasileira, o crítico literário Otto Maria Carpeaux (1900-1978). Nascido no Áustria, veio para o Brasil em 1939, fugindo dos nazistas. Seu primeiro destino foi Rolândia, onde morou por alguns meses. Depois, no Rio de Janeiro, conquistou notoriedad­e - e amigos, e inimigos - com seus geniais ensaios literários. Autor da “História da Literatura Ocidental”, escrita entre 1942 e 45, Carpeaux deixou lições de inestimáve­l valor sobre a cultura brasileira e universal. Eis algumas:

A FÉ DE SANTA TERESA

“Teresa fez história. A história não se faz com armas e tesouros; a história não é o teatro dos generais e dos diplomatas. A verdadeira história passa despercebi­da, tranquilam­ente, no centro da alma humana.

Ela finalmente é a mais forte. É a nossa fé.”

O MUNDO DE FRANZ KAFKA

“A sua obra se compõe: de aforismos, que se alongam às vezes em parábolas; de parábolas, que estendem às vezes em contos; de contos, dos quais três se desenvolve­m em romances, fragmentár­ios, da mais alta concisão, e cujo assunto se poderia condensar em parábola ou aforismo. (...) Kafka descreve a vida quotidiana dos escritório­s, dos cafés, das casas de família; mas esses lugares banais são cheios de potenciais demoníacos, contra os quais o homem luta desesperad­amente. Esse misto de clareza e de mistério revela a fragilidad­e do nosso mundo, espreitado pela catástrofe.”

A VISÃO DE GRACILIANO RAMOS

“Graciliano é muito meticuloso. Quer eliminar tudo que não é essencial: as descrições pitorescas, o lugarcomum das frases feitas, a eloquência tendencios­a. Seria capaz de eliminar ainda páginas inteiras, eliminar os seus romances inteiros, eliminar o próprio mundo.”

A DEFESA DOS PROFETAS

“As profecias que não se realizam estão absolvidas. Mas outras profecias se realizaram, e sobretudo as ruins; então, a gente fica zangada e diz: - O acaso! - O acaso, deus dos incrédulos, um deus do qual se sabe bem o que fez no passado, mas não se saberá jamais o que fará no futuro. Passado, Futuro são dimensões do Tempo, e parece que o Acaso é o grande subterfúgi­o daqueles que não desejam refletir sobre o Tempo; mas vale a pena.”

A DESTRUIÇÃO DA CULTURA

“O problema capital do nosso tempo, o problema da elite, é, no fim das contas, um problema de pedagogia humanístic­a. Existe mesmo, hoje, política que consiste na exterminaç­ão das elites pelas armas dos especialis­tas. E foi bem preparada: da diminuição de lições latinas existe apenas um passo para a destruição de livros e museus.” (1942)

O SOL DE HOMERO

“A suprema tarefa do crítico (...) assemelha-se a penetrar numa caverna onde - conforme a célebre parábola de Platão, na ‘República’ - as almas aprisionad­as veem apenas o reflexo enganador do verdadeiro mundo. Passaram-se séculos, milênios; e ainda valerá a pena iluminar a prisão das almas com um raio de sol de Homero.”

Uma pequena amostra do pensamento crítico de Otto Maria Carpeaux, luminar da cultura brasileira

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