Folha de Londrina

Livro aborda retomada do Carnaval de rua no Rio

Obra destaca o carnaval que voltou às ruas nos anos 2000; este ano serão 473 blocos e 509 desfiles

- Maurício Meireles Folhapress

Chegou a turma do funil. Cheia de reis, piratas e jardineira­s, entortando a língua e os passos pelo asfalto, ela ficou um tempo sumida - mas depois voltou ruidosa como antes, com seus tambores, agogôs e reco-recos.

Há quem fale que os blocos de Carnaval do Rio de Janeiro tiveram uma retomada nos anos 2000, depois de décadas em que as ruas não viam um mísero pierrô chorar porque sua colombina foi embora com o arlequim.

É fato que, nesse período, a festa do Rei Momo chegou a números superlativ­os - neste ano, serão 473 blocos e 509 desfiles, e o Bola Preta, o centenário bloco da cidade, outra vez deve ultrapassa­r os mais de 2 milhões de foliões. Mas vale lembrar que essa história não começou ontem.

O objetivo de “Meu Bloco na Rua”, de Rita Fernandes, que chega agora às livrarias, é justamente contestar a ideia de que tal retomada aconteceu apenas nos últimos 20 anos.

Fruto de uma pesquisa de mestrado na FGV-Rio, a obra associa o ressurgime­nto do Carnaval de rua à abertura política, a partir de 1985, e a membros da militância de esquerda - egressa do partidão, da luta armada, do movimento estudantil e da campanha pelas eleições diretas.

Antes que os teóricos do marxismo cultural ergam as sobrancelh­as ressabiado­s, a autora faz um alerta. “Não estou dizendo que os blocos faziam parte da política partidária. Os fundadores eram pessoas que estavam na militância de esquerda em paralelo”, diz ela, que é presidente da Sebastiana, uma das principais associaçõe­s de blocos da cidade.

Depois de traçar um panorama histórico do Carnaval da capital carioca, Fernandes atribui a retomada a um grupo de agremiaçõe­s surgidas na segunda metade dos anos 1980 o Simpatia É Quase Amor, o Barbas e o Suvaco do Cristo. Não incluiu o Bloco de Segunda, que também vê como responsáve­l, porque precisou fazer um recorte.

O Simpatia, por exemplo, que desfilou pela primeira vez em 1985, juntava membros do partidão e criadores da Fladi- retas - torcida organizada do Flamengo que defendia as eleições diretas à época.

Muitos eram filhos de fundadores da Banda de Ipanema, um dos poucos a surgirem nos anos 1960 e também ligados à esquerda - tanto que alguns membros do PCB chegaram a desconfiar que o Simpatia fosse não só uma dissidênci­a das tradições familiares, mas também da política.

Já o Barbas, que nasceu em Botafogo, tem entre seus fundadores Nelsinho Rodrigues o filho de Nelson Rodrigues e ex-presidente do bloco, que deixou o cargo após um AVC em 2015, foi do MR-8 e passou nove anos preso. A turma do Bloco de Segunda tinha sido do mesmo movimento.

O Suvaco do Cristo não tinha militantes ligados a movimentos do tipo, segundo a autora, mas seu segundo desfile já arrumou uma encrenca com a Igreja - o bloco foi proibido de usar o próprio nome, acusado de ridiculari­zar um símbolo religioso.

Tudo bem, a agremiação tentou usar o nome Bloco do Suvaco, mas todos passaram a se referir a ele como “ex-Suvaco do Cristo”. No fim, o nome original acabou se impondo, como prova de que a festa se decide mais nas ruas do que nos gabinetes.

Além dos botequins e da política, outro elo entre os blocos da retomada é uma faixa de areia de 200 metros na praia de Ipanema, o Posto Nove. Foi ali que, após a volta do exílio, Fernando Gabeira desfilou com sua proverbial e diminuta tanga de crochê, que pegara emprestada de uma prima - virou o símbolo do verão da anistia. Era ali que intelectua­is, artistas e a juventude descolada se encontrava. E também onde circulavam os militantes de um PT fundado havia pouco.

Mas, se agora fala-se em retomada, o que aconteceu para o Carnaval dos blocos da capital fluminense entre os anos 1960 e 1970?

A ditadura não é o suficiente para explicar. A cultura de rua carioca e o samba em especial já sofriam perseguiçã­o implacável desde sempre. O começo do século 20 é emblemátic­o nesse sentido - é famoso o caso de 1908, quando o pandeiro de João da Baiana foi apreendido pela polícia.

“Não é só a ditadura, mas claro que ela é um dos fatores sérios”, diz Fernandes. “Não é que ela combatesse diretament­e o Carnaval, mas, como ela combatia o confronto de ideias, ele foi desaparece­ndo. A ditadura faz sumir os movimentos de ocupação (da rua) que são contestató­rios.”

As razões da crise da folia seriam a ascensão da festa oficial, representa­da pelas escolas de samba, e o fato de ao mesmo tempo o samba e as músicas carnavales­cas perderem espa-

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R.M.Nunes/ Shuttersto­ck.com Segundo a autora do livro, uma das as razões da crise da folia de rua seria a ascensão da festa oficial, representa­da pelas escolas de samba, mas agora a festa popular volta com força total
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