Ajuda para quem ficou
Quando soube da possibilidade de interiorização, a venezuelana Mareli Mercedes Gutierrez Pulido, 31, fez a inscrição e conseguiu vir para Goioerê. Depois de passar a fronteira, morou oito meses em um abrigo em Boa Vista (RR) e no dia 22 de dezembro foi transferida para o sítio no Paraná. “Selecionaram-me para essa cidade, aceitamos por ser no Sul. Tem sido muito melhor. Em Roraima éramos muito humilhados, não havia emprego. A princípio no refúgio de lá as comidas eram horríveis e passávamos fome. Não tínhamos sandálias ou roupas”.
Pulido conta que na capital da fronteira, casos de venezuelanos que eram levados para fazendas e sumiam eram recorrentes. Emocionada, ela lembra que viu pessoas buscando comida no lixo em Roraima. “Ver meu irmão venezuelano buscando comida no lixo é algo insuperável”, conta. “Gostaria de trazer meu pai para cá. Aqui vivemos em casas, vivemos bem. Mas quero voltar, se meu país voltar a ser o que era antes”.
Em busca de outra oportunidade de vida, os venezuelanos trabalham no Brasil. Mas o dinheiro vai para seus parentes necessitados no país natal. Pulido diz que os refugiados têm esperança. “Nós pedimos a Deus todos os dias que o presidente se vá, que faça o que tenha que fazer, mas que o faça rápido. Há muitos anos esperamos”.
Ela trabalhava como manicure na Venezuela. É a segunda mais nova de uma família de dez irmãos. “Eles e meus pais estão na Venezuela. Sempre me comunico com eles. Lá é pior. Um salário mínimo não dá para nada”. “Agradeço a Deus por ele ter me permitido chegar até aqui”. Na tarde de quinta-feira (28), seu filho de quatro anos estava na escola enquanto ela presenciava uma oficina de laços e caixas, oferecida pela ONG para ajudar as mulheres do abrigo a produzirem renda. Além do pequeno, Pulido tem outros dois filhos adolescentes. “Todos nós que chegamos mostramos que somos pessoas trabalhadoras, não viemos pedir nada. Penso que o governo brasileiro tem feito muito por nós, mas não é aqui que será a solução para o nosso país. É lá. Temos esperança”.
O momento em que a crise bateu à porta de sua casa, Luzneve Matute, 47, teve de ir embora. “Vim de carona até Boa Vista porque não tinha dinheiro. De alguma maneira eu tinha que sair, porque não aguentava a situação. Ver meus netos pedindo comida e não ter o que fazer. Trabalhei um tempo em Boa Vista e aqui estou esperando. Um dia teremos que voltar. Mas com esse homem aí, não”.
A vida antes de Maduro era boa, segundo Matute. “Podia ir no supermercado e comprar, agora vou ao mercado e não tem nada. Nem uma xícara para tomar um café. Na farmácia não tem remédio nem para dor de cabeça, para gripe”. Assim como os outros refugiados, ela veio para mandar recursos para sua família. “Lá se trabalha, trabalha e tem dinheiro para comer um pouquinho”. A situação desesperadora da falta de comida foi acontecendo paulatinamente.
Ana Gabriela Cardozo, 29, divide a casa com Matute no abrigo. “Eles se emocionam quando chega um pouco de dinheiro”, complementa. Ela veio com seu filho de cinco anos, que já está na escola, e o esposo, que também trabalha. Mas deixou o niño mais velho, de 11 anos, com a avó na Venezuela.
Cardozo e Matute chegaram no último grupo de refugiados, em fevereiro. “Chegamos três da manhã. Agora me sinto bem. De madrugada senti um pouco de medo porque estava escuro. Passamos percalços em Boa Vista e vínhamos com esse medo”. Ela brinca que em Goioerê a situação é diferente. Ao sair no mercado, sente-se famosa . “As pessoas cumprimentam”. Cardozo sente a falta de seu filho. “Choro porque ele não tem os mesmos benefícios que eu tenho aqui. Comida, água, roupa, sapatos. Em Venezuela não compramos um sapato para comprar um pouquinho de comida. Eu mandei dinheiro. Hoje recebi notícia dele que não tinha comido”.
Cardozo veio de Santa Elena de Uairén, 15 quilômetros da fronteira. Ela caminhou para Pacaraima. Seu filho de cinco anos, quando veio ao Brasil, tinha quatro. Ele caminhou com ela. “No aguanto, mama, ele dizia. E eu chorava”. A refugiada conta que sua mãe é sua melhor amiga. “Sempre foi”. A matriarca trabalhou em um restaurante por mais de 20 anos. Doente, com mal de Parkinson, Cardozo agradece a ajuda humanitária que
sua mãe recebe na Venezuela e quer voltar para lá quando o país se acomodar, para ficar com a família. “Estão salvando a vida dela, das crianças que precisam”.
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“Ver meu irmão venezuelano buscando comida no lixo é algo insuperável”