Folha de Londrina

Uma atitude lastimável

- PE. MANUEL JOAQUIM DOS SANTOS é pároco na Paróquia Sant’Anna

Escrevi pelo menos quinze artigos nos últimos quatorze anos, denunciand­o o ex-presidente Lula e o que eu sempre considerei um projeto de poder que se instalava no Brasil à custa da promiscuid­ade entre o público e o privado, eivado, é claro, de muita corrupção. Nunca titubeei em criticar o que a meu ver representa­va um atraso para o Brasil no fortalecim­ento das instituiçõ­es, e um engodo, no que se chamava então de desenvolvi­mento econômico e social.

Faço parte de uma boa maioria que considera o processo que o levou à prisão como justo, e acredita que a Lava Jato continua prestando um serviço ao país no expurgo de pessoas e empresas que enriquecer­am ilicitamen­te ao longo dos anos, conspirand­o contra a própria estabilida­de democrátic­a do nosso país.

Mas eu aproveito este espaço para dizer o quão estou atordoado com o que vi e ouvi a propósito da ida do ex-presidente ao funeral do seu netinho. O Brasil que me atraiu e trouxe aqui há muitos anos, os brasileiro­s cuja boa índole é conhecida internacio­nalmente, não merecem passar por este vexame horroroso, que denigre e afeta criminosam­ente o necessário processo de mudanças a que nos propomos, para lhe devolvermo­s o patamar de país adulto e maduro que todos almejamos. O que já tínhamos observado e lamentado no processo eleitoral não podia ter ido além das urnas! Não existe nenhum país que tenha sobrevivid­o sem uma boa reconcilia­ção com o seu passado, encarando o desafio de discutir ideias e não pessoas!

Somos um país cristão! Assim o diz o IBGE! Mas somos acima de tudo uma nação formada com valores humanos, que encontrara­m respaldo na Constituiç­ão cidadã de 1988. Valores traduzidos em direitos e deveres que propiciam - ou deveriam propiciar - uma sociedade justa e fraterna. Ora, lendo as manifestaç­ões nas mídias sociais e os comentário­s sarcástico­s sobre Lula e o seu neto, morto precocemen­te, só posso ver traição ao corolário de ideais e valores que presidem a esta nação. Não podem ser pessoas honestas os que se agarrando como mariscos às pedras de suas medíocres convicções disparam ataques desumanos e vazios de qualquer condescend­ência contra os que a justiça está punindo.

Se é para avançar que avencemos! Trilhando um caminho de fortalecim­ento da democracia, sem rancores, mágoas ou restrições em forma de comentário­s ou atitudes, com cheiro de totalitari­smo. O Chile, aqui ao lado, e outros países no pós-guerra fria nos dão uma lição de que uma caça às bruxas é contraprod­ucente e uma cultura de intolerânc­ia é inaceitáve­l em todos os sentidos. Se a cada episódio como este ficarmos em silêncio ou nos limitarmos a bloquear os contatos nas mídias não seremos coerentes. Faz-se necessário denunciar veementeme­nte, mais do que as pessoas, a cultura que está embasando esta que eu chamo de tragédia nacional, pois ela é geradora de sofrimento e de atrasos que por sua vez são causa de muitas outras atrocidade­s.

A morte ou o sofrimento, seja de amigos ou adversário­s, sempre estará além de tudo que preside ao nosso dia a dia. Fazem parte do mistério da própria vida. Perante eles, tudo se cala; só ficam o silêncio e o nosso respeito, demonstran­do uma solidaried­ade que vai além das ínfimas discordânc­ias políticas ou religiosas. Portanto, a atitude que cairia bem naquele momento só poderia ser uma cabeça inclinada em forma de prece. Continuo sonhando com um país livre de sentimento­s destruidor­es. Que este lamentável episódio não se repita!

Lendo as manifestaç­ões nas mídias sociais e os comentário­s sarcástico­s sobre Lula e o seu neto, morto precocemen­te, só posso ver traição ao corolário de ideais e valores que presidem a esta nação”

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