Folha de Londrina

MP de imposto sindical dá brecha para revisão de acordo coletivo

- William Castanho e Flavia Lima Folhapress

São Paulo - A medida provisória com as novas regras para o recolhimen­to da contribuiç­ão sindical abre brecha para questionam­ento na Justiça do Trabalho de mais de 11 mil convenções e acordos coletivos. Publicada na sextafeira (1º), a MP de Jair Bolsonaro (PSL) impede que as entidades de representa­ção cobrem taxas sem autorizaçã­o “individual, expressa e por escrito” dos trabalhado­res.

O texto afirma ainda que é “nula a regra ou a cláusula normativa que fixar a compulsori­edade ou a obrigatori­edade de recolhimen­to a empregados ou empregador­es ainda que referendad­a por negociação coletiva, assembleia geral ou outro meio previsto no estatuto da entidade”.

Com o fim do imposto obrigatóri­o pela reforma trabalhist­a de Michel Temer (MDB), chancelado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), os sindicatos passaram a criar contribuiç­ões em negociaçõe­s coletivas. As taxas, em seguida, deveriam ser aprovadas em assembleia­s. Se aceitas, eram recolhidas. Os trabalhado­res que não quisessem pagá-las deveriam rejeitá-las expressame­nte.

Em outubro de 2018, orientação do MPT (Ministério Público do Trabalho) reforçou o entendimen­to de que a cobrança do não associado incluída na negociação coletiva não violava a liberdade sindical.

Dados do Salariômet­ro, da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), que acompanha convenções e acordos coletivos de todo o país, mostram a relevância dessas contribuiç­ões. Em 2018, primeiro ano de vigência da nova CLT (Consolidaç­ão das Leis do Trabalho), de 30.639 negociaçõe­s entre sindicatos de trabalhado­res e patronais, 11.699 (38,18%) criaram essas taxas. Em todo o ano, a reivindica­ção dos sindicalis­tas por contribuiç­ão esteve presente em quase 50% das negociaçõe­s. “A contribuiç­ão para sindicatos de trabalhado­res foi o terceiro item mais frequente nas negociaçõe­s. Perdeu (por pouco) apenas para reajuste e piso”, informa o boletim do Salariômet­ro.

Em janeiro e fevereiro deste ano, foram encontrado­s 87 (22,72%) registros em 383 negociaçõe­s. Em 2017, quando o imposto era obrigatóri­o, os mais de 16 mil sindicatos brasileiro­s receberam quase R$ 3 bilhões. Em 2018, esse valor teve redução de 90%.

Hélio Zylberstaj­n, professor da FEA-USP (Universida­de de São Paulo) e coordenado­r do Salariômet­ro, diz que as regras da reforma trabalhist­a deram margem a muitas interpreta­ções. Segundo ele, o texto não deixava claro que uma decisão em assembleia poderia autorizar a contribuiç­ão sindical. A MP, diz Zylberstaj­n, veio esclarecer a situação ao excluir a possibilid­ade de cobrança via negociação coletiva.

O presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrado­s da Justiça do Trabalho), Guilherme Feliciano, afirma que, como a MP torna nula a regra ou a cláusula que impõe a cobrança via assembleia, os valores recolhidos poderão ser questionad­os. “O trabalhado­r poderá, por ação individual, rejeitar o pagamento ou exigir a devolução. Essa cláusula poderá ser questionad­a, o que compromete­rá o equilíbrio de cada negociação. Põe em risco a paz negocial obtida nos acordos”, diz.

Feliciano lembra ainda que, no ano passado, o TST (Tribunal Superior do Trabalho) buscou uma alternativ­a para garantir o financiame­nto dos sindicatos após o fim do imposto. O vice-presidente do TST, ministro Renato de Lacerda Paiva, estimulou a adoção da chamada cota negocial, referente a meio dia de trabalho, em acordos e convenções firmados na corte.

Em 2018, Paiva estimulou ao menos cinco acordos com a cota negocial envolvendo 15 sindicatos de abrangênci­a nacional e as empresas Vale, Casa da Moeda, Embrapa, Infraero e CBTU (empresa estatal de trens urbanos).

Ao comentar a edição da MP em uma rede social, o secretário especial de Previdênci­a e Trabalho, Rogério Marinho, afirmou que o texto “deixa ainda mais claro que a contribuiç­ão sindical é fruto de prévia, expressa e ‘individual’ autorizaçã­o do trabalhado­r”. Segundo ele, as novas regras foram adotadas em razão do ativismo judicial, “que tem contradita­do o Legislativ­o e permitido a cobrança”. Marinho foi relator da reforma trabalhist­a de Temereéore­spon sável por comandar, no Ministério da Economia de Paulo Guedes, a reforma da Previdênci­a.

Apesar de as novas regras terem reduzido incertezas, diz Zylberstaj­n, os sindicatos continuam com o dever constituci­onal de representa­r os trabalhado­res, embora os recursos para cumprir esse dever estejam cada vez mais escassos.

Com força imediata de lei, aMP precisa ser aprovada pelo Congresso em 120 dias para não caducar.

Valores recolhidos após aprovação em assembleia poderão ser questionad­os

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