MP de imposto sindical dá brecha para revisão de acordo coletivo
São Paulo - A medida provisória com as novas regras para o recolhimento da contribuição sindical abre brecha para questionamento na Justiça do Trabalho de mais de 11 mil convenções e acordos coletivos. Publicada na sextafeira (1º), a MP de Jair Bolsonaro (PSL) impede que as entidades de representação cobrem taxas sem autorização “individual, expressa e por escrito” dos trabalhadores.
O texto afirma ainda que é “nula a regra ou a cláusula normativa que fixar a compulsoriedade ou a obrigatoriedade de recolhimento a empregados ou empregadores ainda que referendada por negociação coletiva, assembleia geral ou outro meio previsto no estatuto da entidade”.
Com o fim do imposto obrigatório pela reforma trabalhista de Michel Temer (MDB), chancelado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), os sindicatos passaram a criar contribuições em negociações coletivas. As taxas, em seguida, deveriam ser aprovadas em assembleias. Se aceitas, eram recolhidas. Os trabalhadores que não quisessem pagá-las deveriam rejeitá-las expressamente.
Em outubro de 2018, orientação do MPT (Ministério Público do Trabalho) reforçou o entendimento de que a cobrança do não associado incluída na negociação coletiva não violava a liberdade sindical.
Dados do Salariômetro, da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), que acompanha convenções e acordos coletivos de todo o país, mostram a relevância dessas contribuições. Em 2018, primeiro ano de vigência da nova CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), de 30.639 negociações entre sindicatos de trabalhadores e patronais, 11.699 (38,18%) criaram essas taxas. Em todo o ano, a reivindicação dos sindicalistas por contribuição esteve presente em quase 50% das negociações. “A contribuição para sindicatos de trabalhadores foi o terceiro item mais frequente nas negociações. Perdeu (por pouco) apenas para reajuste e piso”, informa o boletim do Salariômetro.
Em janeiro e fevereiro deste ano, foram encontrados 87 (22,72%) registros em 383 negociações. Em 2017, quando o imposto era obrigatório, os mais de 16 mil sindicatos brasileiros receberam quase R$ 3 bilhões. Em 2018, esse valor teve redução de 90%.
Hélio Zylberstajn, professor da FEA-USP (Universidade de São Paulo) e coordenador do Salariômetro, diz que as regras da reforma trabalhista deram margem a muitas interpretações. Segundo ele, o texto não deixava claro que uma decisão em assembleia poderia autorizar a contribuição sindical. A MP, diz Zylberstajn, veio esclarecer a situação ao excluir a possibilidade de cobrança via negociação coletiva.
O presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), Guilherme Feliciano, afirma que, como a MP torna nula a regra ou a cláusula que impõe a cobrança via assembleia, os valores recolhidos poderão ser questionados. “O trabalhador poderá, por ação individual, rejeitar o pagamento ou exigir a devolução. Essa cláusula poderá ser questionada, o que comprometerá o equilíbrio de cada negociação. Põe em risco a paz negocial obtida nos acordos”, diz.
Feliciano lembra ainda que, no ano passado, o TST (Tribunal Superior do Trabalho) buscou uma alternativa para garantir o financiamento dos sindicatos após o fim do imposto. O vice-presidente do TST, ministro Renato de Lacerda Paiva, estimulou a adoção da chamada cota negocial, referente a meio dia de trabalho, em acordos e convenções firmados na corte.
Em 2018, Paiva estimulou ao menos cinco acordos com a cota negocial envolvendo 15 sindicatos de abrangência nacional e as empresas Vale, Casa da Moeda, Embrapa, Infraero e CBTU (empresa estatal de trens urbanos).
Ao comentar a edição da MP em uma rede social, o secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, afirmou que o texto “deixa ainda mais claro que a contribuição sindical é fruto de prévia, expressa e ‘individual’ autorização do trabalhador”. Segundo ele, as novas regras foram adotadas em razão do ativismo judicial, “que tem contraditado o Legislativo e permitido a cobrança”. Marinho foi relator da reforma trabalhista de Temereéorespon sável por comandar, no Ministério da Economia de Paulo Guedes, a reforma da Previdência.
Apesar de as novas regras terem reduzido incertezas, diz Zylberstajn, os sindicatos continuam com o dever constitucional de representar os trabalhadores, embora os recursos para cumprir esse dever estejam cada vez mais escassos.
Com força imediata de lei, aMP precisa ser aprovada pelo Congresso em 120 dias para não caducar.
Valores recolhidos após aprovação em assembleia poderão ser questionados