Folha de Londrina

INICIATIVA -

Sem apoio, eles recorrem a outras formas de financiame­nto para bancar treinos e viagens

- Vítor Ogawa Reportagem Local

Sem apoio, jovens atletas buscam alternativ­as para manter vivo o sonho do esporte. Vender geladinho, como os gêmeos do taekwondo Kauan e Rhuan Lourenço (foto), bala no semáforo ou apelar para vaquinha virtual

Amaioria dos esportista­s brasileiro­s não recebe o devido apoio para participar de competiçõe­s e treinar e muitos dependem do chamado “paitrocíni­o”, isto é, o custeio de todas as despesas pelos pais do atleta. No entanto, nem todas as famílias possuem condições de arcar com esses gastos. Os atletas de taekwondo Kauan e Rhuan dos Santos Lourenço, ambos de 14 anos, são um exemplo disso. Moradores do residencia­l Horizonte (zona norte de Londrina), os dois vendem geladinhos para bancar as viagens para participar de competiçõe­s.

O pai dos jovens, o técnico de manutenção Newton Lourenço Júnior, relata que não tinha mais condições de custear as viagens. “Eu estava me endividand­o”, lamenta Newton. Foi ele quem levou os filhos a praticar o taekwondo. “Mas em vez de ser um negócio bacana, estava sendo um transtorno”, explica.

A primeira tentativa de vender os geladinhos foi utilizando os preparados em pó que são vendidos em mercados. “Comprei e não gostei. Aí, fui colocando outros ingredient­es até achar que ficou bom”, destaca Márcia, a mãe dos gêmeos. Desde então, a família criou uma linha de montagem em casa. A mãe prepara as receitas, o pai ajuda a colocálos no saquinho, Kauan amarra e Rhuan ensaca e sela com etiquetas com os nomes dos sabores. O trabalho muitas vezes segue até as duas horas da manhã. Todo o lucro obtido com as vendas é destinado às despesas com os atletas.

“Por viagem, a gente gasta em média mil reais, mas às vezes ultrapassa isso. Temos que pagar a inscrição, a passagem de ônibus, hospedagem e o que a gente vai comer lá”, detalha Kauan. Neste fim de semana, os atletas foram para Maringá. As viagens mais dispendios­as são as realizadas para fora do Estado.

O investimen­to tem valido a pena. Ambos têm conquistad­o títulos nacionais e integrado a seleção brasileira. “Quando estou desmotivad­o, eu lembro de tudo o que passei para poder continuar. Passamos por dificuldad­es e, quando vem a vitória, ela chega com um gostinho a mais”, relata Rhuan.

O técnico deles, Vagner Lopes, 30, ressalta que os gêmeos se tornaram motivação para atletas de fora. “Muitos param para tirar fotos com eles”, destaca. “Eles possuem potencial para disputar o US Open no ano que vem e talvez até o Argentina Open este ano.”

Londrina possui a Lei nº 11.263/2011, que determina que os créditos de milhagem das companhias aéreas ofertados quando as passagens são adquiridas com recursos públicos sejam utilizados em prol dos atletas locais. A reportagem entrou em contato com o presidente da FEL (Fundação de Esportes de Londrina), Fernando Madureira, para saber quantos atletas já tinham sido beneficiad­os por essa lei, mas ele afirmou que não a conhecia.

Passamos por dificuldad­es e, quando vem a vitória, ela chega com um gostinho a mais”

- A carreira da lutadora londrinens­e de jiu-jitsu Mayara Custódio é vitoriosa. Em pouco mais de quatro anos de competiçõe­s, a faixa roxa de 32 anos foi campeã mundial duas vezes e colheu títulos da América do Sul à Europa. Desde junho de 2018 vivendo em Curitiba, a atleta tem uma rotina puxada de treinos para conseguir este tipo de resultado. São cerca de seis horas de corrida e na academia ao longo de todo o dia.

Percorrer o circuito de competiçõe­s internacio­nais, contudo, não depende só de talento: competir custa, e muito. Como é a realidade de outros atletas, Mayara não conta com patrocínio para competir no exterior e se vira como dá. Lança mão de rifas, vaquinhas online e outros meios. Mais recentemen­te, começou a chamar a atenção em um semáforo no bairro Água Verde, em Curitiba. De quimono, ela vende balas e recebe contribuiç­ões de motoristas sensibiliz­ados com o projeto da atleta de continuar competindo no exterior e seguir progredind­o na carreira, iniciada em 2014, ainda em Londrina.

O ponto escolhido pela atleta para vender as balas fica a poucos metros da academia Checkmat, onde treina, e a venda é feita em intervalos da rotina da atleta - tudo pensado para prejudicar o mínimo possível os treinos.

“O treinament­o é o meu trabalho”, diz Mayara. “Não posso ficar oito horas dentro de um supermerca­do, como ficava antes, ou vou regredir. Então vou lá, vendo as balas neste horário, não atrapalho os meus treinos e consigo continuar trabalhand­o”, explica.

A próxima parada é o Campeonato Mundial de Jiu-Jitsu em Long Beach, nos Estados Unidos, em maio. Mayara já conseguiu as passagens e agora arrecada para dar conta das despesas.

Ela tem conseguido juntar cerca de R$ 60 por dia com a venda das balas. “Criei uma relação com as pessoas que estão aqui. Muitas passam todos os dias e, depois de me ver algumas vezes, se interessar­am em saber a minha história”, conta. “Há quem contribua todos os dias”, diz.

Embora a venda de balas em semáforos não pareça uma atividade própria de atletas de nível internacio­nal, Mayara diz que está correndo atrás de um sonho e vê cada passo que precisa dar com naturalida­de. “Todo mundo acha que deveria haver alguém para patrocinar. O ideal seria isso mesmo, seja o governo ou uma empresa privada. Como não tem, a gente precisa usar o que está à mão”, conta a atleta.

“Quando vi que o jiu-jitsu era o que eu queria, comecei a me dedicar 100% a ele. Deixei meu emprego de promotora de merchandis­ing, deixei a família e amigos para viver meu sonho”, conta. “Quando pego algo para fazer, me dedico totalmente.”

Mayara destaca o incentivo de seu professor, Sebastian Lalli, também presidente da Federação Paranaense de Jiu-Jitsu Brasileiro. Ele explica que a situação da londrinens­e não é diferente da enfrentada pela maioria dos lutadores.

“Sempre foi assim. Não é um esporte olímpico. Aí o pessoal corre atrás, porque as competiçõe­s são realmente caras. Eles ainda não são faixas pretas, então é um momento de investir na carreira”, conta Lalli. “A gente perde muitos atletas que poderiam estar disputando o Mundial com chances de vencer porque não têm condições de ir.” Quem quiser ajudar a atleta pode acessar o endereço www.vakinha. com.br/vaquinha/mundial-de-jiu-jitsu-2019mayara-monteiro-custodio.

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Marcos Zanutto
 ?? Marcos Zanutto ?? Os gêmeos Kauan e Rhuan dos Santos Lourenço vendem geladinhos para custear as despesas quando participam de competiçõe­s de taekwondo em outras cidades
Marcos Zanutto Os gêmeos Kauan e Rhuan dos Santos Lourenço vendem geladinhos para custear as despesas quando participam de competiçõe­s de taekwondo em outras cidades
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Rafael Costa “Todo mundo acha que deveria haver alguém para patrocinar. Como não tem, a gente precisa usar o que está à mão”, diz a lutadora
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