O Carnaval já passou. Pode recolocar sua máscara
Jacob Levy Moreno foi um psiquiatra nascido na Romênia no ano de 1889. Aos cinco anos o levaram para a efervescência cultural da Viena do início do século 20. Tornou-se médico pela Universidade de Viena, mas manteve um especial interesse pelo teatro. Não por qualquer teatro, mas por um que se baseasse na espontaneidade e na criatividade, uma vez que naquele momento muito se criticava o que se tornara um modelo teatral hegemônico e que tolhia a possibilidade criativa dos atores. Foi daí que criou o seu famoso “Das Stegreiftheater”, ou Teatro da Espontaneidade.
Essa forma teatral consiste em apresentações em que atores amparados em história contada por alguém da plateia, representam livremente, de acordo com sua espontaneidade e sua criatividade.
É dessa busca feita por Moreno, o teatrólogo, em devolver ao teatro essa forma de representação que irá surgir um teatro terapêutico a que hoje chamamos de psicodrama. Moreno - o psiquiatra - percebe que uma pessoa que tem dificuldades em atuar criativa e espontaneamente os papéis de sua vida, revelando a construção de uma forma repetitiva de atuar a que se pode estar aprisionado e que a impede de dar respostas novas a situações antigas ou respostas novas e adequadas a situações novas, no palco psicodramático e sob a direção adequada de um profissional treinado em seu método poderá aos poucos se libertar dessas conservas para conduzir sua vida com mais saúde.
O homem moreniano nasce espontâneo, fruto de uma primeira grande explosão criativa e espontânea que é o próprio nascimento. Veja crianças brincando: para os adultos é um faz-de-conta. No entanto, para elas estão sendo exatamente aquilo que seu jogo as torna. Tem liberdade criativa que as permite se tornarem quem desejam e do jeito que se imaginam no momento do seu jogo. Ainda não estão aprisionadas a uma forma enrijecida de ser.
Mesmo antes de nascer em que já tem um ambiente familiar que o espera com suas crenças e expectativas (que faz dele um certo filho de um certo pai, e filho de uma certa mãe, o faz neto e sobrinho, e o faz irmão, e assim por diante), o homem já começa a se relacionar. Suas relações são o lugar onde aprenderá a ser ou a desempenhar cada um desses papéis com aqueles com quem se relacionar no contra papel. Dessa forma, por exemplo, se tornará filho ao exercitar esse papel com seu pai. Ou em outras palavras, sua relação com o pai irá disponibilizar para ele uma máscara de filho. Uma máscara que pertence aos dois, pai e filho, pela necessidade que terá aquele pai de se relacionar com o filho que se mostra por essa máscara.
Sendo assim, o homem do psicodrama é feito de suas relações. Poderia dizer que é uma soma de papéis. Para cada papel, um determinado jeito de viver, um senso psíquico e social que o rodeia. Para cada papel uma máscara habilmente designada, construída e, muitas vezes, imposta pela cultura e/ou por aquele que desempenha o contra papel. Máscara aqui entendido como a possibilidade de expressão do ser ou a “persona” grega. Então o adoecimento do homem se dá nas relações. Algo como a incapacidade de ser criativo e espontâneo em um ou em vários papéis.
A maior contribuição do psicodrama é possibilitar o acesso e a utilização desse potencial criativo inato ao homem e que pode lentamente ir se cristalizando em uma forma rígida e pouco adequada de desempenhar papéis, talvez por sua história familiar ou talvez por situações concretas do cotidiano que o impeçam disso. Isso pode se dar dramatizando uma história pessoal no palco psicodramático (que pode ser o consultório do psicodramatista), o que dará acesso a papéis que se desempenham sempre da mesma maneira e que permitirá nesse novo aqui/agora construído em cena, experimentar uma forma nova, mais adequada e mais livre de se atuar na vida. Isso libera a espontaneidade que se encontrava represada, o que diminui sofrimento e dá liberdade para se tornar exatamente o que quiser ser.
Os papéis são as expressões existenciais humanas. Todos os temos. Papéis de contextos profissionais, familiares, religiosos, escolares, esportivos e tantos outros. Você os tem e eles determinam e confirmam a sua existência. Você só vive através de um papel, ou de uma máscara.
Mas o Carnaval acabou. É hora das roupas que você está acostumado a vestir e das máscaras que sempre usou. Mas não se preocupe. Assim como as crianças, também podemos ser quem quisermos. Temos toda a liberdade de viver qualquer personagem que inventarmos. Tomara que os seus sejam plenos e felizes. Se não forem, talvez seja a hora de mudar de máscara.
Temos toda a liberdade de viver qualquer personagem que inventarmos. Tomara que os seus sejam plenos e felizes”