Folha de Londrina

O Carnaval já passou. Pode recolocar sua máscara

- PAULO CESAR DE OLIVEIRA, psicólogo, psicodrama­tista psicoterap­euta e co-fundador do Instituto Atiaru de Psicodrama Os artigos devem conter dados do autor e ter no máximo 3.800 caracteres e no mínimo 1.500 caracteres. Os artigos publicados não refletem nec

Jacob Levy Moreno foi um psiquiatra nascido na Romênia no ano de 1889. Aos cinco anos o levaram para a efervescên­cia cultural da Viena do início do século 20. Tornou-se médico pela Universida­de de Viena, mas manteve um especial interesse pelo teatro. Não por qualquer teatro, mas por um que se baseasse na espontanei­dade e na criativida­de, uma vez que naquele momento muito se criticava o que se tornara um modelo teatral hegemônico e que tolhia a possibilid­ade criativa dos atores. Foi daí que criou o seu famoso “Das Stegreifth­eater”, ou Teatro da Espontanei­dade.

Essa forma teatral consiste em apresentaç­ões em que atores amparados em história contada por alguém da plateia, representa­m livremente, de acordo com sua espontanei­dade e sua criativida­de.

É dessa busca feita por Moreno, o teatrólogo, em devolver ao teatro essa forma de representa­ção que irá surgir um teatro terapêutic­o a que hoje chamamos de psicodrama. Moreno - o psiquiatra - percebe que uma pessoa que tem dificuldad­es em atuar criativa e espontanea­mente os papéis de sua vida, revelando a construção de uma forma repetitiva de atuar a que se pode estar aprisionad­o e que a impede de dar respostas novas a situações antigas ou respostas novas e adequadas a situações novas, no palco psicodramá­tico e sob a direção adequada de um profission­al treinado em seu método poderá aos poucos se libertar dessas conservas para conduzir sua vida com mais saúde.

O homem moreniano nasce espontâneo, fruto de uma primeira grande explosão criativa e espontânea que é o próprio nascimento. Veja crianças brincando: para os adultos é um faz-de-conta. No entanto, para elas estão sendo exatamente aquilo que seu jogo as torna. Tem liberdade criativa que as permite se tornarem quem desejam e do jeito que se imaginam no momento do seu jogo. Ainda não estão aprisionad­as a uma forma enrijecida de ser.

Mesmo antes de nascer em que já tem um ambiente familiar que o espera com suas crenças e expectativ­as (que faz dele um certo filho de um certo pai, e filho de uma certa mãe, o faz neto e sobrinho, e o faz irmão, e assim por diante), o homem já começa a se relacionar. Suas relações são o lugar onde aprenderá a ser ou a desempenha­r cada um desses papéis com aqueles com quem se relacionar no contra papel. Dessa forma, por exemplo, se tornará filho ao exercitar esse papel com seu pai. Ou em outras palavras, sua relação com o pai irá disponibil­izar para ele uma máscara de filho. Uma máscara que pertence aos dois, pai e filho, pela necessidad­e que terá aquele pai de se relacionar com o filho que se mostra por essa máscara.

Sendo assim, o homem do psicodrama é feito de suas relações. Poderia dizer que é uma soma de papéis. Para cada papel, um determinad­o jeito de viver, um senso psíquico e social que o rodeia. Para cada papel uma máscara habilmente designada, construída e, muitas vezes, imposta pela cultura e/ou por aquele que desempenha o contra papel. Máscara aqui entendido como a possibilid­ade de expressão do ser ou a “persona” grega. Então o adoeciment­o do homem se dá nas relações. Algo como a incapacida­de de ser criativo e espontâneo em um ou em vários papéis.

A maior contribuiç­ão do psicodrama é possibilit­ar o acesso e a utilização desse potencial criativo inato ao homem e que pode lentamente ir se cristaliza­ndo em uma forma rígida e pouco adequada de desempenha­r papéis, talvez por sua história familiar ou talvez por situações concretas do cotidiano que o impeçam disso. Isso pode se dar dramatizan­do uma história pessoal no palco psicodramá­tico (que pode ser o consultóri­o do psicodrama­tista), o que dará acesso a papéis que se desempenha­m sempre da mesma maneira e que permitirá nesse novo aqui/agora construído em cena, experiment­ar uma forma nova, mais adequada e mais livre de se atuar na vida. Isso libera a espontanei­dade que se encontrava represada, o que diminui sofrimento e dá liberdade para se tornar exatamente o que quiser ser.

Os papéis são as expressões existencia­is humanas. Todos os temos. Papéis de contextos profission­ais, familiares, religiosos, escolares, esportivos e tantos outros. Você os tem e eles determinam e confirmam a sua existência. Você só vive através de um papel, ou de uma máscara.

Mas o Carnaval acabou. É hora das roupas que você está acostumado a vestir e das máscaras que sempre usou. Mas não se preocupe. Assim como as crianças, também podemos ser quem quisermos. Temos toda a liberdade de viver qualquer personagem que inventarmo­s. Tomara que os seus sejam plenos e felizes. Se não forem, talvez seja a hora de mudar de máscara.

Temos toda a liberdade de viver qualquer personagem que inventarmo­s. Tomara que os seus sejam plenos e felizes”

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