Folha de Londrina

Os bailes de outrora

- Estela Maria Frederico Ferreira, leitora da FOLHA

Na cidade havia um clube, a princípio um casarão de madeira sem pintura, no qual eu nunca pisei porque ainda era nova e não podia ir, mas minha irmã ia, levava castigo por isso mas ia escondido, e depois vinha contando os acontecime­ntos e me levando a imaginar como seria e quando chegaria a minha vez. Dançar nunca foi o meu forte, mas como todos iam ao baile e gostavam, dançavam, preparavam-se fazendo roupas novas e coisa e tal, não seria eu a exceção.

Quando cheguei à quarta série do ginásio fui pela primeira vez, não propriamen­te a um baile mas a uma brincadeir­a dançante ou matinê, num domingo à tarde. Era pró-formatura e cada aluno deveria levar um prato de salgado. Muito tímida, fiquei apavorada só de pensar em atravessar a cidade com um prato na mão até ao Clube, agora já em prédio novo e com boa estrutura. Lembro de minha irmã Maria dizendo que tinha que passar pó e batom, dando uma ajeitada nos meus cabelos. Na época as meninas costumavam fazer “touca” nos cabelos para deixá-los lisos e bonitos.

Se timidez matasse, com certeza chegara o meu dia de morrer. Mas sobrevivi e fui. Fiquei a observar tudo com os olhos e a sensação de quem estreia no mundo dos adultos. As poucas pessoas dançando, o chá de cadeira pela falta de cavalheiro­s, o banheiro entupido de gente que fumava e fofocava, retocava a maquiagem, comentava sobre o baile, as pessoas estreando roupas novas, algumas bem ridículas até, mas era tão interessan­te! Bem-vinda à

E, ao som daquelas músicas lentas, dançávamos de rosto colado e esquecíamo­s as pequenas desventura­s da juventude”

cultura da aparência! Só faltava mesmo as selfies para depois postar, mas celular ainda era coisa inimagináv­el, distante anos-luz ...

Outros bailes, sábados à noite, geralmente promovidos pelos estudantes para angariar fundos para suas classes. Havia os concursos de Rainha e Princesa, uma forma de ganhar um dinheirinh­o extra vendendo votos e arrumando padrinhos que doavam uma quantia para a causa. Nós próprios, os estudantes, preparávam­os o salão, limpando e espalhando fubá na pista, fazendo uns espetinhos de azeitona, mortadela e queijo, espetados num mamão verde, alguns salgadinho­s, servindo refrigeran­tes e Cuba, a bebida mais popular do baile. Fazíamos um “croqui” para localizar e vender as mesas antecipada­mente, além de fazer muita farra nessa organizaçã­o. O evento deveria dar lucro, além de poder pagar o conjunto musical contratado para “tocar no baile”, geralmente da redondeza mesmo. No desenrolar do evento era feliz quem conseguia um par para dançar porque a maioria das vezes era um fiasco! Tínhamos que contar com a presença de rapazes de outra cidade,geralmente de Santa Fé e de Colorado, para ficar mais interessan­te, é claro. E, ao som daquelas músicas lentas, dançávamos de rosto colado e esquecíamo­s as pequenas desventura­s da juventude. Algumas músicas sempre faziam sucesso, como O Milionário, dos Incríveis, músicas dos Beatles, seleções de samba, da Jovem Guarda, valsas. As luzes psicodélic­as eram o máximo em tecnologia na época, jogando um brilho diferente sobre aquelas figuras que, animadamen­te, desfilavam pelo salão.

De madrugada, voltávamos a pé, em bandos,radiantes, cantarolan­do, assobiando, acompanhan­do as amigas até suas casas, felizes da vida. Teríamos assunto para bastante tempo, alguns nem tão bons, como brigas e correrias que às vezes aconteciam ou o namorado que flagrava a namorada dançando com outro e viceversa. Aí era fim de namoro e a fossa tremenda!

Aqueles bailes modestos marcaram muito a nossa geração, inclusive como forma de inclusão social. Todos eram convidados, as desavenças e diferenças eram esquecidas num único pacto: dançar, sorrir, cantar e celebrar as festas da vida quando o que realmente importava era ser feliz.

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