Os bailes de outrora
Na cidade havia um clube, a princípio um casarão de madeira sem pintura, no qual eu nunca pisei porque ainda era nova e não podia ir, mas minha irmã ia, levava castigo por isso mas ia escondido, e depois vinha contando os acontecimentos e me levando a imaginar como seria e quando chegaria a minha vez. Dançar nunca foi o meu forte, mas como todos iam ao baile e gostavam, dançavam, preparavam-se fazendo roupas novas e coisa e tal, não seria eu a exceção.
Quando cheguei à quarta série do ginásio fui pela primeira vez, não propriamente a um baile mas a uma brincadeira dançante ou matinê, num domingo à tarde. Era pró-formatura e cada aluno deveria levar um prato de salgado. Muito tímida, fiquei apavorada só de pensar em atravessar a cidade com um prato na mão até ao Clube, agora já em prédio novo e com boa estrutura. Lembro de minha irmã Maria dizendo que tinha que passar pó e batom, dando uma ajeitada nos meus cabelos. Na época as meninas costumavam fazer “touca” nos cabelos para deixá-los lisos e bonitos.
Se timidez matasse, com certeza chegara o meu dia de morrer. Mas sobrevivi e fui. Fiquei a observar tudo com os olhos e a sensação de quem estreia no mundo dos adultos. As poucas pessoas dançando, o chá de cadeira pela falta de cavalheiros, o banheiro entupido de gente que fumava e fofocava, retocava a maquiagem, comentava sobre o baile, as pessoas estreando roupas novas, algumas bem ridículas até, mas era tão interessante! Bem-vinda à
E, ao som daquelas músicas lentas, dançávamos de rosto colado e esquecíamos as pequenas desventuras da juventude”
cultura da aparência! Só faltava mesmo as selfies para depois postar, mas celular ainda era coisa inimaginável, distante anos-luz ...
Outros bailes, sábados à noite, geralmente promovidos pelos estudantes para angariar fundos para suas classes. Havia os concursos de Rainha e Princesa, uma forma de ganhar um dinheirinho extra vendendo votos e arrumando padrinhos que doavam uma quantia para a causa. Nós próprios, os estudantes, preparávamos o salão, limpando e espalhando fubá na pista, fazendo uns espetinhos de azeitona, mortadela e queijo, espetados num mamão verde, alguns salgadinhos, servindo refrigerantes e Cuba, a bebida mais popular do baile. Fazíamos um “croqui” para localizar e vender as mesas antecipadamente, além de fazer muita farra nessa organização. O evento deveria dar lucro, além de poder pagar o conjunto musical contratado para “tocar no baile”, geralmente da redondeza mesmo. No desenrolar do evento era feliz quem conseguia um par para dançar porque a maioria das vezes era um fiasco! Tínhamos que contar com a presença de rapazes de outra cidade,geralmente de Santa Fé e de Colorado, para ficar mais interessante, é claro. E, ao som daquelas músicas lentas, dançávamos de rosto colado e esquecíamos as pequenas desventuras da juventude. Algumas músicas sempre faziam sucesso, como O Milionário, dos Incríveis, músicas dos Beatles, seleções de samba, da Jovem Guarda, valsas. As luzes psicodélicas eram o máximo em tecnologia na época, jogando um brilho diferente sobre aquelas figuras que, animadamente, desfilavam pelo salão.
De madrugada, voltávamos a pé, em bandos,radiantes, cantarolando, assobiando, acompanhando as amigas até suas casas, felizes da vida. Teríamos assunto para bastante tempo, alguns nem tão bons, como brigas e correrias que às vezes aconteciam ou o namorado que flagrava a namorada dançando com outro e viceversa. Aí era fim de namoro e a fossa tremenda!
Aqueles bailes modestos marcaram muito a nossa geração, inclusive como forma de inclusão social. Todos eram convidados, as desavenças e diferenças eram esquecidas num único pacto: dançar, sorrir, cantar e celebrar as festas da vida quando o que realmente importava era ser feliz.