Folha de Londrina

A ratoeira é o rato

- Marcos Losnak Especial para Folha 2

Vinte anos atrás ninguém poderia imaginar que as redes sociais teriam impacto tão grande no cotidiano das pessoas. Nos dias de hoje, as redes sociais (Facebook, Twitter, Whatsapp, Youtube, Instagram, Google+, Myspace, etc.) fazem parte determinan­te da vida de grande parte da população. O Brasil, por exemplo, possui atualmente um presidente que governa o país pelo Twitter.

A rapidez com que as redes sociais foram abraçadas pelas pessoas, impulsiona­das pelas novas tecnologia­s, não favoreceu a devida reflexão sobre suas implicaçõe­s. Uma reflexão sobre aquilo que se tornou subitament­e normal na vida de qualquer pessoa pode ser encontrado no novo livro do cientista norte-americano Jaron Lanier, “Dez Argumentos Para Você Deletar Agora Suas Redes Sociais”, lançado pela editora Intrínseca.

O título pode parecer alarmista, mas a intenção do autor é alertar os usuários de redes sociais como elas funcionam internamen­te, a estrutura dentro da máquina. Prefere até atualizar o termo “redes sociais” para “impérios de modificaçã­o de comportame­nto”.

Um dos criadores da realidade virtual, Jaron Lanier foi um dos jovens do Vale do Cilício pioneiros no desenvolvi­mento de projetos de alta tecnologia. A visão de Jaron Lanier é de alguém que sabe como a estrutura funciona. E revela que ela funciona de maneira “manipulado­ra, antiética, cruel, perigosa e desumana”.

O primeiro argumento da obra é de que os usuários das redes sociais estão perdendo o livre-arbítrio. Há a ilusão de que o usuário possui liberdade total para atuar nas redes, mas é preciso levar em conta que o jogo de recompensa­s e punições, prêmios e castigos. Segundo os criadores do Facebook, um sistema que foi criado para “explorar uma vulnerabil­idade da psicologia humana”.

Os outros noves argumentos propostos pelo autor são: 1) Largar as redes sociais é a maneira mais certeira de resistir à insanidade dos nossos tempos. 2) As redes sociais estão tornando você um babaca. 3) As redes sociais minam a verdade. 4) As redes sociais transforma­m o que você diz em algo sem sentido. 5) As redes sociais destroem sua capacidade de empatia. 6) As redes sociais deixam você infeliz. 7) As redes sociais não querem que você tenha dignidade econômica. 8) As redes sociais tornam a política impossível. 9) As redes socais odeiam sua alma.

Apesar de não ser um dos principais tópicos levantados por Jaron Lanier, uma constataçã­o merece destaque: a ilusão dos usuários de redes sociais em acreditar “ser cliente” das empresas detentoras das redes sociais - mesmo fazendo uso de um produto gratuito oferecido por empresas privadas com fins declaradam­ente lucrativos. Acreditam na visão propagada pelas empresas de que o “cliente” tem acesso ao serviço gratuito porque anúncios e publicidad­e financiam os custos de toda a estrutura.

Uma ilusão quase infantil. Na realidade, o usuário não é “cliente”: o usuário é o produto.

Detentora de dados e informaçõe­s privadas, íntimas e particular­es, oferecidas pelos próprios usuários de maneira sincera e gratuita, as empresas ganham dinheiro vendendo silenciosa­mente o verdadeiro produto: o usuário.

Na leitura do autor, as redes sociais favorecem o comportame­nto de rebanho. E todo comportame­nto de rebanho, invariavel­mente, favorecem manipulaçã­o e paranoia: “Na situação atual, sabemos que as redes sociais têm sido usadas com sucesso para perturbar sociedades”. Levando devidament­e em consideraç­ão fatores como os algoritmos e o efeito bolha.

Em meio ao caos, Jaron Lanier oferece alguma esperança. Propõe duas maneiras de romper “os impérios de modificaçã­o comportame­ntal”. Primeira delas: os usuários poderiam abandonar completame­nte as redes sociais como funcionam hoje (isso porque, pautadas por altos lucros, as empresas não demonstram nenhum interesse em mudar as coisas). A segunda delas: o usuário pagar pelo uso de redes sociais (finalmente como cliente de verdade, com direito de exigir e cobrar privacidad­e de suas informaçõe­s).

Para parar um rato, a ratoeira se apresenta como armadilha tradiciona­l. Mas como proceder quando a ratoeira torna-se o próprio rato?

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