Tentativa de suicídio não é espetáculo e requer empatia
Não são raras as situações em que a população instiga a pessoa a pular de um prédio; para especialistas, é uma demonstração de individualismo da sociedade
Recent emente, uma pessoa subiu em uma passarela na PR- 445, em Londrina, e ameaçava se jogar. O Corpo de Bombeiros interveio na situação e conseguiu resgatá- lo, ileso. Antes do desfecho, porém, dezenas de curiosos se aglomeraram na rodovia e alguns gritavam palavras de incentivo para que ele se jogasse do alto da estrutura. Situações como essa, infelizmente, não são incomuns. Enquanto a equipe deresgate tenta demovera vítima da ideia de suicídio, há quem sinta prazer ou se divirta instigando o desfecho trágico. Tudo é registrado em foto e vídeo e as imagens são disparadas em aplicativos de mensagem ou posta- das nas redes sociais. Para especialistas, a conduta, além de uma enorme falta de empatia, é uma demonstração do extremo individualismo da sociedade atual. E vale alertar ainda que esse tipo de atitude é crime previsto no Código Penal, passível de prisão.
Curioso por natureza, o ser humano sempre sentiu atração por eventos catastróficos. Mas uma mudança cultural tem colaborado para a perda da capacidade de sentir empatia pelos dramas alheios, de olhar para o outro e enxergar ali uma pessoa com sentimentos, que tem uma família, que tem uma história e que está enfrentando um momento de grande dificuldade. “A pessoa que está tentando se jogar deixa de ser uma pessoa e passa a ser só aquele momento, é quase um entretenimento. É um pouco pesado de dizer, mas é como se só fosse possível enxergar aquele momento, como se a gente não tivesse a capacidade de ir além daquela cena”, avalia a psicóloga Paula Cordeiro, de Londrina.
Com a facilidade de registrar tudo em foto e vídeo, pelo celular, a situação ganha contornos ainda mais bizarros. É como se o autor das imagens ficasse isento de qualquer responsabilidade por aquele acontecimento. “Fica muito claro que hoje as pessoas não têm empatia. O que a gente vê hoje é que cada vez menos as pessoas exercem isso”, analisa Cordeiro. “Muitas vezes não é nem se colocar no lugar do outro, mas ao lado dele no sentido de saber o que a pessoa está sentindo, imaginar como é um sofrimento tão enorme que a pessoa não vê saída.”
FORA DE CONTEXTO
Quando o sofrimento atinge um nível tão elevado, o que pode fazer toda a diferença é o acolhimento e a esperança. Voluntário do CVV (Centro de Valorização da Vida) e porta- voz da entidade em Londrina, Aparecido Carlos Beltrami afirma que 90% das pessoas que atravessam alguma dificuldade e pensam no suicídio como uma saída para o problema podem desistir da ideia se forem ouvidos e obtiverem ajuda. “O comportamento de incentivar a pessoa a se jogar é totalmente fora de contexto. É a mesma coisa de você conversar com uma pessoa doente e não estender a mão a ela, é satirizar a doença. Alguém que está com o propósito de se autodestruir deve ser considerado doente, está precisando de muita ajuda. Tentar incentivar o suicídio foge do contexto do bom senso.”
A partir de sua experiência como voluntário no CVV, Beltrami afirma que quem chega no alto de um prédio ou de uma ponte e para para avaliar se pular seria mesmo a melhor saída está em um processo de ambivalência e uma palavra ou atitude equivocada de quem presencia a cena pode ser crucial para ajudar a preservar aquela vida ou contribuir para destruí-la. “No fundo, o instinto de preservar a vida é maior do que o desejo de acabar com ela. Às vezes, é um pensamento de momento. Então, na dúvida, é melhor não se manifestar”, aconselha.
Se não puder ajudar, ao invés de ser mais um autor de uma cena grotesca que transforma a dor alheia em espetáculo, o melhor é se distanciar. “Já que você não vai ajudar, talvez seja melhor seguir e não ficar ali ( assistindo)”, acrescenta Cordeiro, psicóloga do Núcleo Evoluir.
“Já que você não vai ajudar, talvez seja melhor seguir e não ficar ali (assistindo)”