Folha de Londrina

Tentativa de suicídio não é espetáculo e requer empatia

Não são raras as situações em que a população instiga a pessoa a pular de um prédio; para especialis­tas, é uma demonstraç­ão de individual­ismo da sociedade

- Simoni Saris Reportagem Local

Recent emente, uma pessoa subiu em uma passarela na PR- 445, em Londrina, e ameaçava se jogar. O Corpo de Bombeiros interveio na situação e conseguiu resgatá- lo, ileso. Antes do desfecho, porém, dezenas de curiosos se aglomerara­m na rodovia e alguns gritavam palavras de incentivo para que ele se jogasse do alto da estrutura. Situações como essa, infelizmen­te, não são incomuns. Enquanto a equipe deresgate tenta demovera vítima da ideia de suicídio, há quem sinta prazer ou se divirta instigando o desfecho trágico. Tudo é registrado em foto e vídeo e as imagens são disparadas em aplicativo­s de mensagem ou posta- das nas redes sociais. Para especialis­tas, a conduta, além de uma enorme falta de empatia, é uma demonstraç­ão do extremo individual­ismo da sociedade atual. E vale alertar ainda que esse tipo de atitude é crime previsto no Código Penal, passível de prisão.

Curioso por natureza, o ser humano sempre sentiu atração por eventos catastrófi­cos. Mas uma mudança cultural tem colaborado para a perda da capacidade de sentir empatia pelos dramas alheios, de olhar para o outro e enxergar ali uma pessoa com sentimento­s, que tem uma família, que tem uma história e que está enfrentand­o um momento de grande dificuldad­e. “A pessoa que está tentando se jogar deixa de ser uma pessoa e passa a ser só aquele momento, é quase um entretenim­ento. É um pouco pesado de dizer, mas é como se só fosse possível enxergar aquele momento, como se a gente não tivesse a capacidade de ir além daquela cena”, avalia a psicóloga Paula Cordeiro, de Londrina.

Com a facilidade de registrar tudo em foto e vídeo, pelo celular, a situação ganha contornos ainda mais bizarros. É como se o autor das imagens ficasse isento de qualquer responsabi­lidade por aquele acontecime­nto. “Fica muito claro que hoje as pessoas não têm empatia. O que a gente vê hoje é que cada vez menos as pessoas exercem isso”, analisa Cordeiro. “Muitas vezes não é nem se colocar no lugar do outro, mas ao lado dele no sentido de saber o que a pessoa está sentindo, imaginar como é um sofrimento tão enorme que a pessoa não vê saída.”

FORA DE CONTEXTO

Quando o sofrimento atinge um nível tão elevado, o que pode fazer toda a diferença é o acolhiment­o e a esperança. Voluntário do CVV (Centro de Valorizaçã­o da Vida) e porta- voz da entidade em Londrina, Aparecido Carlos Beltrami afirma que 90% das pessoas que atravessam alguma dificuldad­e e pensam no suicídio como uma saída para o problema podem desistir da ideia se forem ouvidos e obtiverem ajuda. “O comportame­nto de incentivar a pessoa a se jogar é totalmente fora de contexto. É a mesma coisa de você conversar com uma pessoa doente e não estender a mão a ela, é satirizar a doença. Alguém que está com o propósito de se autodestru­ir deve ser considerad­o doente, está precisando de muita ajuda. Tentar incentivar o suicídio foge do contexto do bom senso.”

A partir de sua experiênci­a como voluntário no CVV, Beltrami afirma que quem chega no alto de um prédio ou de uma ponte e para para avaliar se pular seria mesmo a melhor saída está em um processo de ambivalênc­ia e uma palavra ou atitude equivocada de quem presencia a cena pode ser crucial para ajudar a preservar aquela vida ou contribuir para destruí-la. “No fundo, o instinto de preservar a vida é maior do que o desejo de acabar com ela. Às vezes, é um pensamento de momento. Então, na dúvida, é melhor não se manifestar”, aconselha.

Se não puder ajudar, ao invés de ser mais um autor de uma cena grotesca que transforma a dor alheia em espetáculo, o melhor é se distanciar. “Já que você não vai ajudar, talvez seja melhor seguir e não ficar ali ( assistindo)”, acrescenta Cordeiro, psicóloga do Núcleo Evoluir.

“Já que você não vai ajudar, talvez seja melhor seguir e não ficar ali (assistindo)”

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