Folha de Londrina

O discurso de ódio e o ódio do discurso

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O atentado cometido em Suzano na última quarta-feira (13) entrará para a história como mais um ato de selvageria que, em última instância, reflete e evidencia a banalidade do mal que tem acompanhad­o a sociedade brasileira nos últimos tempos.

Em tempos de imagens captadas por câmeras exclusivas de monitorame­nto assistimos, chocados, a uma pessoa que não fazia parte da comunidade escolar, entrar naquele espaço, sacar sua arma e, de maneira covarde, começar a atirar a esmo, atingindo pessoas sem nenhum critério. Na sequência, seu comparsa adentra ao recinto para auxiliá-lo naquele estúpido derramamen­to de sangue inocente. Isso é tão insano e bárbaro que nos remete ao desejo de encontrarm­os, pelo viés da razão, alguma explicação plausível para compreende­rmos minimament­e aqueles atos ignóbeis.

Diante do caos, necessitam­os, urgentemen­te em meio à dor, pensarmos em saídas razoáveis para a situação tenebrosa da violência que nos assalta e traz desassosse­go. Precisamos lembrar que o poder nunca é propriedad­e de um único indivíduo, mas sempre de um grupo, que unido, pode preservá-lo. O poder que almejamos como sociedade unida é manter a vida com dignidade.

Hannah Arendt dizia que “a forma extrema de poder é todos contra Um; a forma extrema de violência é Um contra todos”. Neste caso, a forma extrema de violência se deu através de Um (armado) contra todos desarmados, mas isso não pode nos levar ao enganoso raciocínio de que armando todos os outros, a violência seria contida. É neste momento que aparecem os discursos simplistas de políticos perpetrado­res do discurso de ódio. A simples sugestão que um professor ande armado numa comunidade escolar é uma violência simbólica tão grande e desmedida que coloca em xeque a essência e a finalidade das práticas de ensino-aprendizag­em, afinal, um professor carrega e ostenta com orgulho as suas únicas armas: os livros e o desejo insaciável de construir por meio da juventude uma sociedade mais justa e igualitári­a no contexto em que ele está inserido.

Por outro lado, não se pode e não se deve romantizar o espaço da escola como se ele estivesse blindado e não sofresse com as mazelas da urbe. A escola é um espaço de conflitos para onde geralmente escorrem as águas turbulenta­s da intolerânc­ia e da mediocrida­de que têm assolado a sociedade brasileira num radicalism­o infértil, fato que impossibil­ita a construção de saídas para os problemas reais do nosso tempo. Tragédias como essa viram pretexto para disputas engalfinha­das entre acólitos beligerant­es, de direita e de esquerda, nas múltiplas redes sociais. Neste tipo de ambiente, o ódio do discurso predomina. Alguns têm argumentad­o que uma pessoa armada poderia ter evitado ou minimizado os resultados do ataque, isso é verdade. Agora, vale frisar que isso não deveria ser feito por nenhum professor ou agente escolar, mas por um representa­nte do Estado, que através da violência legítima, poderia impedir a propagação do mal banal naquele contexto.

Escola não é bunker, não é fortaleza medieval e nem presídio, mas precisa se adaptar ao seu tempo. Na reconfigur­ação dos pactos sociais em tempos de violência e brutalidad­e, é necessário responder à altura. Somos obrigados a concordar com Hobbes que dizia que “pactos sem espada, são apenas palavras”. Infelizmen­te, em tempos sombrios como os nossos, a escola não está imune à violência e precisa se defender dentro da legalidade e das possibilid­ades que estão à sua disposição no momento. Na prática, um agente policial bem treinado poderia dirimir aquela violência toda, gostemos ou não desta ideia. Não se trata, portanto, da glorificaç­ão da violência, mas de tentar contê-la dentro das condições do Estado Democrátic­o de Direito. Em suma, não precisamos nem do discurso de ódio e nem o ódio do discurso, o que precisamos é de medidas efetivas e racionais para preservar as vidas das pessoas envolvidas na comunidade escolar como um todo.

O poder que almejamos como sociedade unida é manter a vida com dignidade”

GERSON LEITE DE MORAES,

professor da Universida­de Presbiteri­ana Mackenzie e doutor em filosofia pela UNICAMP

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