Celebra 40 anos com ‘Tango’
Comemorando quatro décadas de formação, grupo teatral londrinense volta ao palco com montagem baseada em texto de Slawomir Mrozek
Proibida de ser encenada no Rio de Janeiro no período mais repressor da ditadura militar, a peça “Calabar - O Elogio da Traição” foi encenada pela primeira vez no País em Londrina. O polêmico texto assinado por Chico Buarque e Ruy Guerra foi apresentado na íntegra em 1979 pelo grupo Proteu - Projeto de Teatro Experimental Universitário. Comandada pela diretora Nitis Jacon, a companhia londrinense conseguiu driblar a censura e lotar o Teatro Ouro Verde em uma sessão ‘secreta’, com convite distribuídos pelo elenco a um público local seleto.
O mesmo espaço que abrigou grandes espetáculos protagonizados pelo pioneiro grupo teatral pé-vermelho servirá de palco para o seu retorno 23 anos após a dissolução da companhia criada na Universidade Estadual de Londrina (UEL). Resgatando o forte viés político que marcou sua trajetória artística e inseriu Londrina no movimento da vanguarda teatral brasileira, o Proteu volta ao Teatro Ouro Verde no dia 29 de abril para celebrar o aniversário de quatro décadas de formação.
O espetáculo escolhido para a retomada foi “Tango”, do polonês Slawomir Mrozek (1930-2013). “Esse texto está presente em várias coletâneas como um dos mais importantes do século XX. Depois da nova configuração política brasileira acho que esse texto é perfeito. Ele é quase premonitório pois pega um núcleo familiar que é o início de tudo e traça todo um um painel político, histórico, existencial e afetivo dentro dessa família. E dentro desse grupo que está representado o universo todo. É como se fosse o segundo capitulo de “Um Trágico Acidente” (espetáculo do Proteu encenado em 1981) porque é um teatro metafórico, que fala tudo de uma maneira distorcida”, afirma Willian Pereira, ex-integrante do grupo que se especializou em direção teatral e aceitou o desafio de dirigir os antigos colegas de grupo.
“Estou muito feliz, eu tinha uma divida amorosa com o Proteu e com a cidade. Fazia arquitetura na UEL, quando entrei para o grupo e decidi que era aquilo que queria pra vida. Se não tivesse tido esse rito de passagem, talvez minha vida não tivesse tomado outro rumo”, destaca Pereira. Segundo ele, o reencontro com os ex-integrantes que participarão da montagem está sendo bastante prazeroso. “Parece que a gente nunca se separou. Logo nos primeiros encontros percebemos que respiramos o mesmo veneno anos atrás”, brinca ao se referir à forte influência de Nitis Jacon no processo de trabalho da companhia criada por ela.
GRANDES PESSOAS
Fernanda Coelho concorda com a colocação do diretor. “O Proteu foi uma grande escola de vida. Quem passou pelo grupo não necessariamente virou um grande ator, ou um grande diretor, mas virou uma grande pessoa. Isso porque a gente teve uma escola que nos ensinou a ética, nos ensinou o respeito, a disciplina”, reforça.
“A Nitis forjou um caminho estético que eu sigo até hoje muito forte. É um dos nomes mais representativos da história do teatro neste país. Então a gente também faz uma homenagem a ela com esse espetáculo”, enfatiza Pereira.
Dos mais de 350 atores que passaram pelo Proteu entre os anos de 1978 e 1996, quatro participarão da montagem de “Tango”. “Aqui estarão os brotos, os brotossauros”, brinca a atriz Mira Rocho sobre o elenco formado por ela pelos atores Poka Marques, Fernanda Coelho e Remir Trautwein e que contará com a presença de Paulo Castro e João Darwin nos bastidores. “Contaremos ainda com a participação de atores jovens que serão escolhidos entre os alunos da Escola Municipal de Teatro”, informa o diretor.
O retorno da companhia será marcado por diversas parcerias, conforme salienta a atriz e produtora Fernanda Coelho. “Queremos muito compartilhar conhecimentos, que é uma das ideias difundidas pelo Proteu. Para isso, estamos trabalhando com a Jacqueline Almada, que é uma produtora cultural
da cidade e tem uma forma de trabalho muito interessante. E, além de trabalhar com a Escola Municipal de Teatro, vamos aglutinar pessoas de outros projetos para trocar experiências, como integrantes da Vila Cultural Alma Brasil, do projeto Encantação, da Funcart, entre outras iniciativas. Também pretendemos realizar rodas de conversa, promovidas juntamente com a Casa de Cultura da UEL por meio da Divisão de Artes Cênicas”, informa Fernanda.
A montagem do espetáculo ‘Tango” conta com patrocínio do Programa Municipal de Incentivo à Cultura (Promic).
TEATRO PENSANTE
Com a montagem do espetáculo “Tango”, o diretor Willian Pereira e os integrantes do grupo Proteu esperam abrir um diálogo entre a antiga e a nova geração de atores da cidade. “A gente vem de um período que havia um pensamento sólido no teatro, de promover uma reflexão. Foi uma fase de muita efervescência cultural na cidade sobretudo em relação às artes cênicas. Mesmo atuando fora do eixo Rio-São Paulo, conseguíamos atrair os maiores críticos da área e os grandes pensadores que vinham a Londrina para acompanhar o processo criativo. Então a gente tem muita história pra compartilhar e com o pessoal que faz teatro na cidade hoje”, diz Fernanda Coelho.
“Acho que essa troca de experiências pode ser muita legal. Na nossa época todo mundo fazia cenário, todo mundo fazia figurino, todo mundo pregava e costurava. Por isso os atores tinham uma concepção mais ampla do espetáculo que estava sendo levado ao palco. Sem falar que nos fomos privilegiados no sentido de ter convivido com grandes nomes do teatro como o Zé Celso Martinez Correa, Aderbal Junior, Fernando Peixoto e João das Neves, entre outros. Imagine que teve um período que nosso trabalho de grupo foi ficar na casa da Nitis ouvindo Darci Ribeiro durante uma semana”, lembra o ator Poka Marques.
DIREÇÃO PREMIADA
Após a passagem pelo Proteu como ator em 1982, Willian Pereira se especializou em direção teatral, área em que se graduou pela ECA-USP.
Com diversos espetáculos de sucesso no currículo e após ter conquistado prêmios emblemáticos como o Shell e APCA, estagiou em teatro lírico na English National Opera e na Royal Opera House, em Londres.
“Houve um período em que o discurso teatral não me agravada mais e minha paixão pelo teatro esmoreceu. Então acabei me dedicando à ópera, Ao retomar o mesmo processo criativo que havia vivenciado no Proteu, estou pegando o meu teatro e o levando para o divã nesse meu retorno a Londrina”, resume o diretor.