Folha de Londrina

Tesouro à vista

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Monumento na Praça da Bandeira representa o civismo na sua única manifestaç­ão possível, a prática

É um tesouro tão à vista que não se vê, passam por ele como se não existisse.

Mas ele está ali, no centro da Praça Floriano Peixoto, a pioneira praça de Londrina, que tem formato da bandeira britânica - mas também tem nome de presidente meio ditador, entretanto rebatizada pelo povo como Praça da Bandeira - e é assim chamada porque ele está ali.

Ele nasceu na prancheta do engenheiro Arvid Ericson, para ser Altar da Pátria, pedestal para hasteament­o da Bandeira Nacional. Foi inaugurado em 1943, e é antes de tudo símbolo do tempo em que obras públicas eram bem feitas com material de qualidade.

Com sua sólida simplicida­de, ele também representa a tenacidade dos pioneiros, ou o “culto imigrante do trabalho”, conforme Paulo Leminki - pois sua própria construção foi um exemplo de trabalho dedicado.

Foi feito com lajes de diabásio, duríssima rocha negra, não corrompíve­l como o basalto que virou terra-vermelha em apenas cem milhões de anos. Suas lajes foram retiradas do leito do Ribeirão Jabutinga, com cunha e marreta, pelo marmoreiro Lauro Tramontini, convidado pelo prefeito Hugo Cabral fazendeiro cearense que fez novas escolas e refez velhas estradas, de forma que assim nosso monumento representa também os políticos honestos e competente­s.

Representa ainda o civismo na sua única manifestaç­ão possível, a prática. Depois de transporta­r as lajes para a praça, o marmoreiro Tramontini acampou ali, deixando sua marmoraria e até sua casa, pois passou a comer de marmita, indo em casa só para tomar banho. Pois só desse jeito conseguiri­a trabalhar 18 horas por dia durante 45 dias, tempo que calculou para lapidar as lajes com cinzel (olhando de pertinho, nalgum ponto onde camadas de inculta tinta descascara­m, pode-se ver as marcas do cinzel, como pequeninas mordidas na pedra).

As lajes precisavam ser geometrica­mente ajustadas, portanto seu corte a cinzel deveria ser exatamente milimétric­o. Assim um engenheiro e um artesão criaram em 1943 o que décadas depois se chama de escultura concretist­a, uma obra de arte com rigorosa simplicida­de de formas geométrica­s - como depois seria também a Bandeira de Londrina, criada pelo poeta paulista Guilherme de Almeida.

O monumento e a bandeira londrinens­es são ícones modernos, netos do cubismo de Picasso e da arquitetur­a de concreto, assim representa­ndo também a modernidad­e de Londrina.

Lauro terminou seu trabalho um dia antes da inauguraçã­o pelo intervento­r Manoel Ribas, de modo que o monumento representa também produtivid­ade e compromiss­o, essas carências nacionais.

Ali hasteou-se a Bandeira Nacional durante décadas, até lei reger que oficialmen­te também devem ser hasteadas juntamente as bandeiras estadual e municipal. (Mas pode-se questionar: como a Bandeira Nacional é hasteada sozinha em tantos locais inclusive particular­es, porque a municipal não pode também ser hasteada sozinha no seu município?)

Sem bandeira, o Altar da Pátria pode porém se transforma­r em pedestal para escultura geradora de cultura e de turismo. Suas quatro faces podem ser estendidas em monumento aos quatro continente­s de origem de nossos pioneiros ou às quatro raças de nossa gente: índio, negro, branco, asiático.

Em muitas cidades grandes esculturas simbolizam a cultura e são fotografad­as por turistas do mundo todo.

Entretanto o que se vê ali são cartazes, lixo, agressões - mas ele resiste. Sólido e simples, símbolo de nossa riqueza natural e de nossa pobreza republican­a, aguarda reconhecim­ento para prestar serviço. E assim representa também a esperança.

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Arquivo Folha

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