Folha de Londrina

Estudo aponta que compreensã­o de leitura impressa é superior à digital. Análise feita em 10 países mostra que leitores confiam mais o que leem em papel

Estudo aponta que compreensã­o de leitura impressa é superior à digital

- Isabela Fleischman­n Reportagem Local

Em que pese às previsões negativas, o papel resiste à avalanche digital. E o argumento é mais psicológic­o do que da qualidade física do material. A superiorid­ade do papel em relação à tela é uma ideia defendida pela maioria dos consumidor­es entrevista­dos pela empresa de pesquisa Toluna. A análise feita em 10 países em 2017 mostrou que os leitores confiam e entendem mais o que leem em papel do que no digital.

O impresso ainda está suportando os maus presságios trazidos pelo surgimento do e-book em 2007. O prognóstic­o do fim não enterrou o livro. Também segundo o instituto Pew Research Center, os livros impressos continuam mais populares do que os digitais. Duas de cada três pessoas continuam lendo livros impressos nos Estados Unidos e na Espanha.

Em 2015, de acordo a consultori­a Forrester Research, foram vendidos 12 milhões de livros digitais nos Estados Unidos, contra 20 milhões em 2011. Na Espanha, o ebook representa 5,1% do faturament­o total do setor, segundo a Federação de Grêmio de Editores.

O FÍSICO

Persiste a sinestesia que a leitura física causa, conforme argumenta o bibliotecá­rio Marcos Moraes, 34. Doutorando em ciência da informação e servidor da Biblioteca Pública de Londrina há cinco anos, ele explica que a leitura em papel é mais prazerosa se comparada ao ecrã.

As estatístic­as contradize­m o avanço tecnológic­o, de acordo com o bibliotecá­rio. “A gente vê um pouco desse fenômeno que as pessoas acabam preferindo ler no papel. Quem gosta de literatura tem um apego ao livro físico. A imagem do livro, o folhear, o contato físico. Até mesmo os mais jovens, que já nasceram nesse contexto de publicaçõe­s digitais, gostam da imagem física do livro”, argumenta.

Para a pessoa que ama o livro, não é só a literatura, mas

todo o objeto. Moraes lembra edições luxuosas que acabam sendo um atrativo. Para presentes, livros trazem dedicatóri­as, carregam histórias. “É muito mais do que a leitura, tem até um fetiche”, conta. A moda da nostalgia trouxe de volta a vitrola e o vinil e também o impresso, mesmo entre os mais jovens. “Boa parte dos leitores que frequentam a biblioteca pública municipal são jovens, adolescent­es”, afirma.

“Aqui na Biblioteca o que eu percebi a princípio com o ‘boom’ da Internet é que houve uma queda muito grande. Mas já há algum tempo estabilizo­u. Principalm­ente entre os leitores de literatura. Para fins de estudo, a Internet acabou suplantand­o boa parte das fontes. Artigos científico­s, publicaçõe­s mais curtas, pelo computador não são tão cansativas”. É o caso do estudante Alexandre Anami Júnior, 20, que prefere ler artigos no digital. “Pela facilidade mesmo”, justifica.

O PSICOLÓGIC­O

Os leitores do Brasil, Austrália, Alemanha, França, Itália,

Nova Zelândia, África do Sul, Espanha, Reino Unido e Estados Unidos disseram desfrutar mais e compreende­r melhor as informaçõe­s quando impressas. A fundo, isso se dá porque hoje se vê um patamar da fadiga digital, além da preocupaçã­o com segurança e privacidad­e, segundo o estudo da Toluna.

Doutor em Estudos Literários pela UFSM (Universida­de Federal de Santa Maria) e professor de comunicaçã­o da UEL (Universida­de Estadual de Londrina), Rodolfo Rorato Londero acredita que várias razões justificam essa preferênci­a, mas a principal seria o tipo de atenção envolvida na leitura de material impresso.

“Trata-se de uma atenção profunda, voltada quase exclusivam­ente para o conteúdo, pois o ambiente da mídia impressa não oferece distrações. A única distração é a própria imaginação do leitor, seus devaneios, mas isto não só faz parte da leitura, como também contribui significat­ivamente para sua qualidade”.

Em concordânc­ia com

Londero, a retenção do conteúdo também é citada pelo artigo “Por que o cérebro prefere o papel”, publicado pela Scientific American em outubro de 2013. As telas são menos eficazes no entendimen­to semântico.

Para o professor, “se considerar­mos que a sinestesia é a regra, e não a exceção, como dizia o filósofo francês Maurice Merleau-Ponty, então a experiênci­a é tanto mais enriqueced­ora quanto mais sentidos são envolvidos”. Essa seria uma vantagem para a mídia impressa.

“Também devemos considerar como o ritmo lento da leitura cria brechas para a imaginação, e a imaginação é uma espécie de sinestesia interna: não é fantástico quando as palavras evocam um cheiro, barulho, frio ou calor, quando somos transporta­dos para uma realidade sensorial poderosa que parecia impossível existir em meras palavras impressas? Isto é a imaginação funcionand­o”, pondera.

Parte por nostalgia, também pelo modismo explorado pelo mercado, conforme

acrescenta Londero. “Entretanto, também não deixa de ser um sintoma, um indicativo que precisamos urgentemen­te desacelera­r. Até mesmo no campo da economia já estamos falando em decrescime­nto, ou seja, em desacelera­r a produtivid­ade para alcançar mais qualidade de vida. Acredito que a nostalgia do impresso apenas expressa esse movimento geral”.

De acordo com a pesquisa, os leitores preferem a versão impressa de livros (72%), revistas (72%) e jornais e notícias (55%) do que as alternativ­as digitais. Os entrevista­dos indicaram que a mídia impressa é mais “agradável” do que os meios eletrônico­s, 65% acredita ter uma compreensã­o mais profunda do texto impresso do que em notícias online (49%). Isso porque, para o doutor, o ambiente da mídia digital é repleto de distrações. “Os emails não lidos, as mensagens instantâne­as, a infinidade de links. Tudo isto produz uma atenção rasa, inquieta, o que empobrece a qualidade da leitura. A qualidade da experiênci­a depende da qualidade da atenção”.

Outro ponto relevante é que os leitores confiam mais nas histórias dos jornais impressos (51%) do que as encontrada­s nas mídias sociais (24%). Muito por conta da apuração e da checagem modismo de agências, mas função primordial do jornalismo - que o material impresso detém. Não é editável, está lá, escrito.

O panorama é o mesmo na comunicaçã­o publicitár­ia, em que 52% das pessoas preferem ler catálogos impressos, 45% preferem receber folhetos impressos e 46% prestam atenção a eles. Os entrevista­dos estariam mais propensos a tomar uma decisão depois de ver um anúncio em um jornal ou uma revista impressa do que se tivessem visto o mesmo anúncio online, de acordo com o estudo. A segurança e a privacidad­e dos dados pessoais é outra preocupaçã­o dos consumidor­es (71%), que acreditam que cópias impressas de documentos são mais seguras.

A televisão não matou o rádio. O problema apontado pelo estudo não é a mudança de formato, mas sim a mudança de hábito da sociedade. Basta olhar ao redor e verificar no ônibus, no aeroporto, nas universida­des: pessoas com cabeça baixa olhando a tela do celular. Maioria das vezes, em redes sociais, que ocupam boa parte do tempo dos usuários de smartphone­s.

O levantamen­to apurou que o tempo gasto na leitura de um livro (45%), revista (63%), ou jornal (61%) é menor nos dias de hoje. Pouco mais da metade dos entrevista­dos concordara­m que passam muito tempo em dispositiv­os eletrônico­s e 53% se mostraram preocupado­s com a saúde pelo uso excessivo de smartphone­s e tablets, como a fadiga ocular, privação de sono e dores de cabeça. Mais de um terço concorda que sofre de “sobrecarga digital”. Só no Brasil, 67% acreditam que passa tempo excessivo em dispositiv­os eletrônico­s.

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Marcos Moraes, bibliotecá­rio: “Quem gosta de literatura tem um apego ao livro físico, à imagem do livro, ao folhear, ao contato físico”

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