Em busca do diagnóstico precoce de Parkinson
Pesquisadores do PR investigam alterações pré-motoras que podem ajudar na detecção da doença em fase inicial
Acostumado a comandar o volante de um caminhão durante anos, Delcidis Moraes dos Santos, 75, não suspeitou quando começou a sentir dores no ombro e punho. Bastava descansar o braço por alguns minutos que tudo voltava ao normal. Foi assim que o aposentado começou a tratar uma possível bursite. Até que um dia, de frente para o médico, e com alguns episódios anteriores de tremor nas mãos, surgiu a suspeita da doença de Parkinson. “Se o médico não falasse, eu estaria até hoje pensando que tinha bursite”, comenta.
O encontro com o paciente de 75 anos foi no ambulatório de fisioterapia especializada em doença de Parkinson, no campus da UEL (Universidade Estadual de Londrina). Lá, ele e mais 60 pacientes formam um grupo que é avaliado por estudantes sob a supervisão da professora Suhaila Smaili. Há pelo menos 18 anos, o trabalho do ambulatório foca na análise dos sintomas motores, não motores e também em neuromodulação e uso de tecnologias como complemento terapêutico.
Esse é um entre muitos trabalhos científicos desenvolvidos em todo o País para encontrar respostas sobre o Parkinson. O que se sabe é que essa doença crônica e progressiva atinge cerca de 200 mil brasileiros, está associada ao processo de envelhecimento e é caracterizada pela degeneração das células situadas em uma região do cérebro chamada “substância negra”. Essas células são responsáveis pela produção de dopamina, neurotransmissor que atua na transmissão dos sinais nervosos para os músculos. Sendo assim, a falta ou diminuição da dopamina afeta o controle dos movimentos.
A história de Santos ilustra a maioria dos casos, em que o diagnóstico é fechado quando já houve uma perda de 70% a 80% dos neurônios na substância negra, segundo a neurologista em Curitiba, Renata Ramina. Isso porque os sintomas da doença como perda de equilíbrio, rigidez muscular, alterações do sono, lentidão dos movimentos e problemas de memória são comuns a todos os indivíduos com o avançar da idade. Ou seja, os primeiros sinais são inespecíficos e a identificação tardia da doença compromete e muito a qualidade de vida dos pacientes.
Sendo assim, muitos pesquisadores passaram a olhar o Parkinson por uma gigantesca “lupa” no intuito de encontrar meios de retardar ao máximo a evolução dos sintomas tendo um diagnóstico na fase inicial. É o que vem acontecendo na UEL e na UFPR (Universidade Federal do Paraná). Em Curitiba, um grupo de estudantes e docentes está focado no estudo de alterações não motoras que têm um valor diagnóstico relevante. “Vemos inicialmente mudanças no sono, no olfato, no trânsito gastrointestinal e oculomotoras, mas não sabemos exatamente em que pé da doença elas se manifestam. O objetivo é entender, através dessas alterações, como os neurônios se relacionam nesses momentos iniciais da doença para termos um panorama mais completo”, explica Marcelo Lima, coordenador dos estudos.
LINHAS DE PESQUISA
O laboratório de Neurofisiologia da UFPR desenvolve alguns estudos sobre a evolução da doença. Uma delas é a tentativa de associar em um modelo animal (ratos que foram submetidos cirurgicamente a uma lesão cerebral para induzir o Parkinson) quais seriam todas as moléculas potencialmente relacionadas com a fase inicial.
Para isso, os pesquisadores adicionaram um fator já associado com a doença, que é a privação de sono. “Fizemos um protocolo que chamamos de restrição crônica de sono. ‘Roubamos’ seis horas de sono diárias ao longo de 21 dias seguidos, mimetizando o prejuízo de sono que acomete a população da sociedade moderna”, detalha. Um dos resultados foi o dano à memória dos animais e a elevação de moléculas como LDL (lipoproteína de baixa densidade), VLDL (lipoproteína de muito baixa densidade) e a quinurenina, que, segundo Lima, não tinham sido descritas ao longo da história natural da doença.
Segundo ele, a quinurenina guarda uma relação neuroquímica com a serotonina (neurotransmissor que regula as funções associadas com o humor) e a melatonina (neuropeptídio importante para sinalizar o claro e o escuro, relacionado também ao humor). “As alterações podem sugerir biomarcadores para composição de um possível painel de moléculas, potencialmente identificadas, para facilitar o diagnóstico precoce”, diz.
Mas fica o alerta: “é uma possibilidade e que demanda ainda muita análise. As dislipidemias (doenças que envolve alterações no metabolismo dos lipídios) são muito comuns na população e têm uma relação muito grande com as dietas”.
OCULOMOTOR
Outra linha de estudo é a análise do núcleo no cérebro chamada oculomotor, que fica próximo à substância negra. Os neurônios desse núcleo liberam um neurotransmissor que vão atuar nos músculos ciliares dos olhos, responsáveis pelo controle dos movimentos oculares.
Em um estudo em 2017, o grupo da UFPR identificou um padrão de ativação desses neurônios compatível com o envolvimento inicial da doença, também em modelo animal. “O trabalho foi publicado e estamos desenvolvendo agora, em parceria com o curso de engenharia da computação da Universidade Positivo, um protótipo computadorizado para identificar toda a movimentação ocular dos pacientes”, diz.
Como a atividade oculomotora é alterada nos indivíduos com Parkinson, a ideia é quantificar o nível dessas alterações em diversos estágios da doença para saber se é possível controlá-las com os medicamentos atuais e se há valor prognóstico.
Ambas pesquisas partem para a investigação em pacientes. A ferramenta desenvolvida para análise oculomotora envolverá cerca de 150 pacientes da Associação Paranaense dos Portadores de Parkinsonismo. A entidade existe desde 2000 em Curitiba e tem dois mil associados.
No estudo das moléculas, a UFPR firmou parceria com a University of Surrey e a Imperial College London, no Reino Unido, onde estão os maiores especialistas do mundo na área de metaboloma. “Estamos unindo esforços para tentar fazer essa segunda etapa, mas depende muito de investimento financeiro.”
Segundo ele, esses achados podem, futuramente, formar um kit diagnóstico para auxiliar os médicos no reconhecimento o quanto antes da doença. “No caso das moléculas, a ideia é que um simples exame de sangue possa fazer essa detecção”, aponta.