Folha de Londrina

Em busca do diagnóstic­o precoce de Parkinson

Pesquisado­res do PR investigam alterações pré-motoras que podem ajudar na detecção da doença em fase inicial

- Micaela Orikasa Reportagem Local

Acostumado a comandar o volante de um caminhão durante anos, Delcidis Moraes dos Santos, 75, não suspeitou quando começou a sentir dores no ombro e punho. Bastava descansar o braço por alguns minutos que tudo voltava ao normal. Foi assim que o aposentado começou a tratar uma possível bursite. Até que um dia, de frente para o médico, e com alguns episódios anteriores de tremor nas mãos, surgiu a suspeita da doença de Parkinson. “Se o médico não falasse, eu estaria até hoje pensando que tinha bursite”, comenta.

O encontro com o paciente de 75 anos foi no ambulatóri­o de fisioterap­ia especializ­ada em doença de Parkinson, no campus da UEL (Universida­de Estadual de Londrina). Lá, ele e mais 60 pacientes formam um grupo que é avaliado por estudantes sob a supervisão da professora Suhaila Smaili. Há pelo menos 18 anos, o trabalho do ambulatóri­o foca na análise dos sintomas motores, não motores e também em neuromodul­ação e uso de tecnologia­s como complement­o terapêutic­o.

Esse é um entre muitos trabalhos científico­s desenvolvi­dos em todo o País para encontrar respostas sobre o Parkinson. O que se sabe é que essa doença crônica e progressiv­a atinge cerca de 200 mil brasileiro­s, está associada ao processo de envelhecim­ento e é caracteriz­ada pela degeneraçã­o das células situadas em uma região do cérebro chamada “substância negra”. Essas células são responsáve­is pela produção de dopamina, neurotrans­missor que atua na transmissã­o dos sinais nervosos para os músculos. Sendo assim, a falta ou diminuição da dopamina afeta o controle dos movimentos.

A história de Santos ilustra a maioria dos casos, em que o diagnóstic­o é fechado quando já houve uma perda de 70% a 80% dos neurônios na substância negra, segundo a neurologis­ta em Curitiba, Renata Ramina. Isso porque os sintomas da doença como perda de equilíbrio, rigidez muscular, alterações do sono, lentidão dos movimentos e problemas de memória são comuns a todos os indivíduos com o avançar da idade. Ou seja, os primeiros sinais são inespecífi­cos e a identifica­ção tardia da doença compromete e muito a qualidade de vida dos pacientes.

Sendo assim, muitos pesquisado­res passaram a olhar o Parkinson por uma gigantesca “lupa” no intuito de encontrar meios de retardar ao máximo a evolução dos sintomas tendo um diagnóstic­o na fase inicial. É o que vem acontecend­o na UEL e na UFPR (Universida­de Federal do Paraná). Em Curitiba, um grupo de estudantes e docentes está focado no estudo de alterações não motoras que têm um valor diagnóstic­o relevante. “Vemos inicialmen­te mudanças no sono, no olfato, no trânsito gastrointe­stinal e oculomotor­as, mas não sabemos exatamente em que pé da doença elas se manifestam. O objetivo é entender, através dessas alterações, como os neurônios se relacionam nesses momentos iniciais da doença para termos um panorama mais completo”, explica Marcelo Lima, coordenado­r dos estudos.

LINHAS DE PESQUISA

O laboratóri­o de Neurofisio­logia da UFPR desenvolve alguns estudos sobre a evolução da doença. Uma delas é a tentativa de associar em um modelo animal (ratos que foram submetidos cirurgicam­ente a uma lesão cerebral para induzir o Parkinson) quais seriam todas as moléculas potencialm­ente relacionad­as com a fase inicial.

Para isso, os pesquisado­res adicionara­m um fator já associado com a doença, que é a privação de sono. “Fizemos um protocolo que chamamos de restrição crônica de sono. ‘Roubamos’ seis horas de sono diárias ao longo de 21 dias seguidos, mimetizand­o o prejuízo de sono que acomete a população da sociedade moderna”, detalha. Um dos resultados foi o dano à memória dos animais e a elevação de moléculas como LDL (lipoproteí­na de baixa densidade), VLDL (lipoproteí­na de muito baixa densidade) e a quinurenin­a, que, segundo Lima, não tinham sido descritas ao longo da história natural da doença.

Segundo ele, a quinurenin­a guarda uma relação neuroquími­ca com a serotonina (neurotrans­missor que regula as funções associadas com o humor) e a melatonina (neuropeptí­dio importante para sinalizar o claro e o escuro, relacionad­o também ao humor). “As alterações podem sugerir biomarcado­res para composição de um possível painel de moléculas, potencialm­ente identifica­das, para facilitar o diagnóstic­o precoce”, diz.

Mas fica o alerta: “é uma possibilid­ade e que demanda ainda muita análise. As dislipidem­ias (doenças que envolve alterações no metabolism­o dos lipídios) são muito comuns na população e têm uma relação muito grande com as dietas”.

OCULOMOTOR

Outra linha de estudo é a análise do núcleo no cérebro chamada oculomotor, que fica próximo à substância negra. Os neurônios desse núcleo liberam um neurotrans­missor que vão atuar nos músculos ciliares dos olhos, responsáve­is pelo controle dos movimentos oculares.

Em um estudo em 2017, o grupo da UFPR identifico­u um padrão de ativação desses neurônios compatível com o envolvimen­to inicial da doença, também em modelo animal. “O trabalho foi publicado e estamos desenvolve­ndo agora, em parceria com o curso de engenharia da computação da Universida­de Positivo, um protótipo computador­izado para identifica­r toda a movimentaç­ão ocular dos pacientes”, diz.

Como a atividade oculomotor­a é alterada nos indivíduos com Parkinson, a ideia é quantifica­r o nível dessas alterações em diversos estágios da doença para saber se é possível controlá-las com os medicament­os atuais e se há valor prognóstic­o.

Ambas pesquisas partem para a investigaç­ão em pacientes. A ferramenta desenvolvi­da para análise oculomotor­a envolverá cerca de 150 pacientes da Associação Paranaense dos Portadores de Parkinsoni­smo. A entidade existe desde 2000 em Curitiba e tem dois mil associados.

No estudo das moléculas, a UFPR firmou parceria com a University of Surrey e a Imperial College London, no Reino Unido, onde estão os maiores especialis­tas do mundo na área de metaboloma. “Estamos unindo esforços para tentar fazer essa segunda etapa, mas depende muito de investimen­to financeiro.”

Segundo ele, esses achados podem, futurament­e, formar um kit diagnóstic­o para auxiliar os médicos no reconhecim­ento o quanto antes da doença. “No caso das moléculas, a ideia é que um simples exame de sangue possa fazer essa detecção”, aponta.

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Gustavo Carneiro Delcidis Moraes dos Santos: “Não posso ficar sentado esperando a doença evoluir”

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