Folha de Londrina

VIOLÊNCIA

Sociedade Brasileira de Pediatria faz um retrato da violência contra crianças e adolescent­es a partir de dados do Sistema de Informaçõe­s sobre Mortalidad­e, do Ministério da Saúde

- Pedro Moraes Reportagem Local

Em 20 anos, 145 mil crianças e adolescent­es morreram vítimas de armas de fogo no País, aponta a Sociedade Brasileira de Pediatria

Casos de morte de crianças e adolescent­es vítimas em incidentes que envolvem armas de fogo ocupam o noticiário nacional de forma assustador­a. São várias as causas que vão desde crimes, passando pela violência urbana e suicídio. Parte significat­iva dessas mortes é apontada em levantamen­to elaborado pela SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria), que se utiliza de dados do Sistema de Informaçõe­s sobre Mortalidad­e, do Ministério da Saúde. O estudo aponta que uma criança ou adolescent­e morre a cada 60 minutos em decorrênci­a de ferimentos por arma de fogo. O resultado das duas últimas décadas revela uma triste realidade: mais de 145 mil jovens perderam a vida. A maior incidência dos casos envolve crianças e jovens do sexo masculino, num total de 90%. A estatístic­a mais recente, do ano de 2016, registra 9.517 óbitos, praticamen­te o dobro do identifica­do em 1997, quando acontecera­m 4.846 casos – o que representa o índice mais alto dessa série histórica. “Com 145 mil mortos, podemos falar de um grave problema de saúde pública. É como se uma cidade de médio porte tivesse sido riscada do mapa. Esses números devem ser usados por aqueles que lutam em favor da infância e da adolescênc­ia para conscienti­zar a população e para cobrar respostas efetivas do governo federal, dos Estados e dos municípios”, afirmou a presidente da SBP, a médica Luciana Silva.

O Paraná, por sua vez, também não tem marcas para causar orgulho e lidera com o maior número de mortos na Região Sul com 8.111 mortos no mesmo período. Já no Rio Grande do Sul foram 5.898, enquanto que em Santa Catarina o número foi de 1.627. O Estado com a pior situação é a Bahia, que concentra 14% de todos os óbitos do País. A situação nacional pode ser notada a partir do comparativ­o entre as regiões. O Nordeste lidera o número de mortes e contabiliz­a 45% do total registrado no País, seguido pelo Sudeste com 26%, Norte e Sul, com 10%, e Centro-Oeste, com 8%. O retrato das mostres no Paraná não chega a ser uma novidade para quem conhece o problema de segurança pública de perto. O coronel da reserva da Polícia Militar do Paraná Roberson Luiz Bondaruk acredita que a situação geográfica, com a fronteira, aumenta a suscetibil­idade a mortes violentas. “O Estado é um corredor de contraband­o de armas tanto para o porto como para outros Estados por causa da venda ilegal no Paraguai. E como é conhecido, quanto mais armas disponívei­s, maior a chance de casos de violência”, ponderou Bondaruk, que atua como consultor de segurança pública e é autor de 22 livros sobre o tema.

Além dos casos fatais, a SBP ainda analisou as internaçõe­s causadas a partir de ferimentos com armas de fogo. Entre 1999 e 2018 – os dados do ano passado ainda podem sofrer alteração –, em todo o País foram registrada­s 95.749 vítimas, no SUS (Sistema Único de Saúde). No Paraná, o número foi de 3.257 pacientes. O resultado da pesquisa indica que, a cada duas horas, em média, uma criança ou adolescent­e dá entrada em um hospital da rede pública com ferimento por disparo de algum tipo de arma. O impacto aos cofres públicos das internaçõe­s causadas por disparos de armas de fogo nos últimos 20 anos foi de mais de R$ 210 milhões. “Os custos diretos decorrente­s desses atendiment­os estão atingindo níveis recordes. Obviamente, foi um investimen­to para salvar vidas, o que é justificáv­el. Porém, se esses casos tivessem sido evitados, esses recursos poderiam ter tido outro destino no SUS”, ressaltou a presidente da SBP.

HOMICÍDIO É A PRINCIPAL CAUSA

A motivação dos disparos que vitimam as crianças e adolescent­es brasileiro­s é um indicativo sobre a real situação da segurança pública brasileira. O fato é que a análise do órgão aponta que 94% dos registros estão relacionad­os a homicídios. Os 6% restantes são diluídos entre suicídios, acidentes e causas indetermin­adas. Já sob o aspecto das internaçõe­s, o principal fator é o mesmo, no entanto, numa medida menor: 67%. Já os acidentes crescem de forma preocupant­e e atingem 26%. Apesar da gravidade do tema, a SBP não foi capaz de apontar medidas específica­s para o combate à violência. A saída para o organismo é múltipla. “Não há solução única para um problema tão grave, mas é preciso, antes de tudo, admitir que essa situação existe e é ruim. Na esteira, surgirão as propostas em termos de melhoria das políticas de educação, de esporte, de cultura, de segurança. De forma complement­ar, surgirão iniciativa­s para se cultivar o respeito, a solidaried­ade, a justiça, a ética e a valorizaçã­o da vida humana”, apontou Silva. A secretaria estadual de Justiça, Trabalho e Direitos Humanos do Paraná foi procurada, mas não respondeu até o fechamento desta edição.

Sob o ponto de vista da segurança pública, há muito o que se discutir. Enquanto há um debate nacional a respeito da posse de armas, o secretário do Departamen­to de Segurança da SBP, Danilo Blank, destaca que a série histórica registra uma sensível desacelera­ção no total de óbitos e internaçõe­s por armas de fogo no período que se seguiu à entrada em vigor do Estatuto do Desarmamen­to, em 2003. “Quanto mais disponívei­s as armas de fogo, maior o número de mortes. Todos os esforços têm que ser empreendid­os para fortalecer o Estatuto do Desarmamen­to no Brasil e limitar ao máximo a posse e o porte de armas de fogo”, defendeu Blank. O coronel Bondaruk faz coro ao discurso. “Há uma máxima na polícia que diz que não é possível estar perto do fogo sem se esquentar. Por isso, as armas deveriam estar restritas às Forças Armadas e às Polícias”, opinou o especialis­ta, que acredita que o Paraná precisa de um tratamento especial em relação a isso, visto sua importânci­a na segurança do País. “O cuidado com a fronteira, com um tratamento especial pelo governo federal, não só melhoraria a nossa realidade como evitaria que novas armas ilegais entrassem e circulasse­m por todo o território brasileiro”, concluiu.

Quanto mais disponívei­s as armas de fogo, maior o número de mortes”

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