Folha de Londrina

Não deixe eis cair em tentação

‘A Prece’ traz persona gem se debatendo entre o amor cristão e a opção carnal

- Carlos Eduardo Lourenço Jorge Especial para Folha 2

Nesta já extensa temporada em que a mídia mundial em sua totalidade (e obviamente aqui se incluem as redes sociais) demonstra desprendim­ento e coragem para falar de distorções religiosas (violência fundamenta­lista, pedofilia, escândalos financeiro­s e corrupção, entre outros pecados e vícios), chega a impression­ar um filme que interroga, de maneira honesta, a fé e o trabalho de crentes (aqui no sentido de fieis, adeptos, seguidores) que se entregam inteiramen­te a uma missão. É o francês “A Prece”, em lançamento a partir desta quinta-feira (21) no circuito local.

O filme, que concorreu ano passado no Festival de Berlim, tem como protagonis­ta o jovem Thomas (Anthony Bajon, prêmio de melhor ator no mesmo festival) que chega, em péssimo estado e aparenteme­nte por decisão própria, a uma espécie de retiro católico para um processo de desintoxic­ação – é viciado em heroína.

No lugar de aparência idílica, onde estão cerca de duas dúzias de usuários de drogas tentando a reabilitaç­ão, não há outro tratamento senão rezar e trabalhar. Nenhuma assistênci­a médica, nenhum recurso terapêutic­o, nada no gênero. Criada por católicos, a instituiçã­o é coordenada por educadores leigos, com uma disciplina rígida em relação aos toxicodepe­ndentes: trabalho para ocupar o corpo, oração (muita) para ocupar o espírito e família (que tiver) para ocupar o coração.

Os adultos, educadores, padres, religiosos ou vizinhos, são bem-vindos. A oração, como o respeito pelas regras da casa, é obrigatóri­a. Mas não a fé, que vai ou não se concretiza­r, como Thomas vai ter que aprender.

A princípio o personagem não consegue adaptar-se ao rigoroso controle do sistema, e nem sequer se sente próximo a Deus nem nada parecido. Por isso decide fugir. Mas nesta fuga em desespero passa a noite na casa de uma família próxima ao local e conhece a filha do casal (bela e de sua faixa etária), que o convence a retornar ao santuário, sua única saída possível.

A partir de sua reintegraç­ão ao grupo, o filme de Cedric Khan se dedica a observar as possíveis transforma­ções no comportame­nto de Thomas. Caberá a ele e seus esforços decidir se conseguirá adaptar-se ao lugar, crer de fato naquilo que reza e diz e afastar-se ou não das tentações.

“Você não é diferente dos outros, não há nenhuma razão para que não consiga”, alguém diz a ele. O duro caminho da auto-salvação e possível redenção mística de uma alma submersa em uma longa noite de drogas (e de suspeitada­s feridas psicológic­as profundas) é o núcleo deste estranho filme, que resulta mais uma adição religiosa do que um estudo profundo sobre o processo da adição/dependênci­a química e a possível reabilitaç­ão do usuário.

O filme tem um começo muito bom, no qual o rigor do retiro se sente plenamente. Mas também se sente a incomoda sensação de que, para além das boas intenções, há alguma coisa que ali, dramaturgi­camente, não funciona inteiramen­te bem. E ainda menos com o perturbado Thomas. Dividido entre uma vocação espiritual repentina-

mente despertada (um episódio-acidente ocorrido durante um passeio pela montanha), a parte final do filme se debate entre o realismo das imagens e as intenções de busca por um ascetismo que o diretor Cedric Khan não sabe bem como resolver.

Depois do mais intenso encontro com a jovem arqueóloga, “A Prece” se torna mais previsível e o conflito do personagem (a fé se debatendo entre amor cristão/ opção vocacional e a opção carnal) fica ainda mais óbvio que o elemento surpresa desaparece e não há guinadas mais inteligent­es no roteiro. E, se a isto se acrescenta a consideráv­el quantidade de preces e de cânticos que se ouve, o filme se posiciona como material poderoso para ser exibido em escolas católicas.

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D ivulgação Anthony Bajon como Thomas: prêmio de melhor ator no Festival de Berlim

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