Com baixa qualidade, formação de docentes a distância supera presencial
Estudo do Todos Pela Educação destaca importância do modelo tradicional
Seis em cada dez novos alunos de cursos de ensino superior voltados à docência em 2017 eram de EaD (educação a distância). Dados de estudo divulgado nesta quinta-feira (15) pelo Movimento Todos Pela Educação geram preocupação entre especialistas, uma vez que a modalidade apresenta indicadores mais baixos. ONG cobra a revisão das políticas de formação de professores e a observação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
Curitiba - Um estudo divulgado nesta quinta-feira (15) pelo movimento Todos Pela Educação aponta que seis em cada dez novos alunos de cursos de ensino superior voltados à docência em 2017 eram de EaD (educação a distância) — cenário que gera preocupação sobre a formação de professores, já que a modalidade apresenta indicadores de qualidade piores.
O levantamento da ONG mostrou que a proporção era de 34% em 2010, e que o aumento de 44% no ingresso em cursos de formação inicial de professores desde então foi puxado principalmente pela EaD na rede privada, que teve um salto de 162% no período.
A organização sustenta que os cursos de Pedagogia e licenciaturas a distância estão se expandindo “sem regulação e fiscalização adequadas e com pouca base prática” — o que “gera lacunas relevantes para os futuros docentes do País”.
Para o Todos pela Educação, a modalidade a distância é importante em um país continental como o Brasil, mas sua tendência de prevalência sobre o modelo presencial vai na contramão da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e de experiências internacionais.
“A presença exagerada de EaD nessa formação, que demanda constante articulação entre a teoria e os desafios práticos do dia a dia escolar, é muito preocupante”, afirmou Priscila Cruz, presidente-executiva da organização, em um texto divulgado com a pesquisa.
“Há, é claro, espaço para a tecnologia apoiar, mas não da forma como estamos fazendo, criando uma verdadeira indústria de cursos on-line para baratear os custos de formação”, disse. “Se queremos uma educação melhor, urge a discussão sobre mudanças profundas no sistema de regulação da formação de professores no Brasil e o papel do EaD na área”, concluiu.
Para a ONG, é necessário que o governo federal revise as políticas de formação de professores no ensino superior para reverter o problema da falta de prática docente, também presente na educação presencial. O estudo sugere que o aumento da formação EaD, contudo, agrava a questão.
FORMAÇÃO
Citando referências como a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o documento defende que os cursos devem ser prioritariamente presenciais para permitir práticas como “troca de experiências, discussão de casos e trabalho colaborativo” — que aponta como pilares fundamentais da boa formação docente, juntamente com a articulação com escolas.
“A literatura educacional e as experiências de sucesso em formação de professores mostram a importância de uma formação docente alicerçada não só em bons conhecimentos teóricos, mas também na prática de sala de aula”, diz o estudo.
A pesquisa demonstrou que o percentual de alunos da área com notas inferiores a 50 no Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes), por exemplo, é de 75% para estudantes a distância e de 65% para matriculados em cursos presenciais. Segundo a pesquisa, os indicadores são piores mesmo levando em consideração as diferenças de perfil dos alunos — uma das explicações para as diferenças de desempenho, já que os cursos a distância são mais procurados por pessoas mais pobres e egressas de escolas de pior qualidade.
DESAFIOS
Integrante do comitê científico da Abed (Associação Brasileira de Educação a Distância), a professora Iolanda Cortelazzo reconhece que a modalidade a distância tem desafios específicos em relação ao ensino presencial — como a relação do aluno com o aprendizado.
“Há um alto índice de reprovação, porque uma boa quantidade do alunado vai para a EaD achando que é mais fácil”, conta. “Às vezes, ele não está preparado para estudar sozinho”, explicou.
Coordenadora de Tecnologia na Educação da UTFPR, Cortelazzo disse, contudo, que os pilares para a boa formação de professores apontados pela pesquisa — com os quais concorda — não são exclusivos da educação presencial. Ela sustentou que a EaD ainda sofre resistência por parte da comunidade acadêmica. “Ainda não é aceita como algo com o mesmo valor”, disse.
Para a professora, existe precariedade na formação inicial de professores em ambas as modalidades, mas há “ilhas de boa formação” que estão crescendo. “Não é a modalidade a distância que é ruim. Os mesmos problemas ocorrem na presencial. Mas um bom número de instituições particulares que não estavam preocupadas com a qualidade descobriu que oferecer cursos a distância custava menos”, argumentou.