As reações ao projeto de Abuso de Autoridade
Ministro Moro e membros da Lava Jato criticam a aprovação da lei que pretende regulamentar atuação de policiais e membros da Justiça
Aprovado com regime de tramitação urgente, o projeto de lei sobre abuso de autoridade foi alvo de críticas nessa quinta-feira (15), dia seguinte à votação de maneira simbólica – sem contar os votos individuais dos deputados presentes – na Câmara dos Deputados. A proposta é endurecer as punições para ações indevidas de agentes públicos, como juízes, promotores e policiais. Apesar de os deputados ainda terem que votar os destaques, o que pode trazer pontuais mudanças, há vários artigos criticados por serem considerados abertos para a interpretação dos futuros julgadores. O projeto havia sido votado no Senado e estava parado na Câmara desde 2017. Por isso, deverá seguir para sanção presidencial.
A expectativa, no entanto, é que o presidente Jair Bolsonaro vete parte do texto. O ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro, afirmou que o governo irá avaliar a lei. “Ninguém é a favor de abusos, mas o projeto precisa ser bem analisado para verificar se não pode prejudicar a atuação regular de juízes, procuradores e policiais. O exame ainda será feito com o cuidado e o respeito necessários ao Congresso”, escreveu Moro, por meio de nota enviada pela assessoria de imprensa do ministério. Em entrevista à TV Câmara, vice-líder do PSL na Casa, Bia Kicis (RJ), afirmou que o presidente deverá vetar trechos que considere abusivos quando for sancioná-la. “Entramos em contato com o presidente e com o Palácio e é certo que o presidente vai vetar aqueles artigos que ele entende que são realmente abusivos”, garantiu.
O projeto é apontado como uma reação aos procedimentos adotados pela força tarefa da Lava Jato no MPF (Ministério Público Federal). Tanto que há artigos informalmente batizados com nomes e políticos como, por exemplo, “Lula”, que veda condução coercitiva sem prévia intimação e outro que trata da divulgação de gravações, e outro como “Cabral”, que proíbe algemar presos quando não há resistência à prisão ou risco de fuga. O coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Paraná, Deltan Dallagnol, se pronunciou pelo Twitter. “Se isso é crime, deveria ser igualmente crime soltar preso ou deixar de decretar a prisão quando esta é necessária. Do modo como está, juízes que prenderem poderosos agirão debaixo da preocupação de serem punidos quando um tribunal deles discordar. E Direito não é matemática”, escreveu.
OPINIÕES
A FOLHA ouviu o procurador aposentado do MPFPR, um dos precursores da Lava Jato, Carlos Fernando dos Santos Lima. Ele acredita que o projeto se trata de uma vingança de setores atingidos por trabalhos da Lava Jato e outras grandes investigações. “Não existe lógica. O que está tentando se criar é uma atmosfera de temorização de agentes públicos. Os juízes e procuradores agora correm o risco de virem a responder administrativa e judicialmente a inúmeros questionamentos por suas decisões”, criticou Lima, que continuou. “Deixar de conceder habeas corpus ou prender quando não é o caso, o juiz sempre justifica e sempre tem recursos. Um país que não respeita investigadores, juízes, não é um país certo”, criticou o ex-procurador, que foi incisivo em sua crítica ao Congresso. “Mais uma vez o deputado Rodrigo Maia, na calada da noite, conseguiu excluir o combate à corrupção no País”.
Já o delegado aposentado da PF (Polícia Federal) Gerson Machado – que fez investigações utilizadas na origem dos trabalhos da Lava Jato – ressaltou que o projeto de tamanha importância não poderia ser debatido e aprovado no mesmo dia em que foi pautado, ainda mais com requerimento de urgência. “Ao que tange a conduta policial, também seriam necessários debates com as instituições, no intuito de aparelhar e treinar os servidores para o cumprimento de condutas tipificadas, para que tenham a segurança de não ser colocado no constrangimento de ter de responder processo de sindicância ou acusatório. O policial precisa ter tranquilidade e respaldo prévio para operar”, criticou.
MUDANÇAS
Entre as mudanças apontadas na nova lei está a proibição de decretação de prisão provisória em “manifesta desconformidade com as hipóteses legais” e também a decretação de condução coercitiva sem que antes haja intimação para comparecimento ao juiz. A pena é de um a quatro anos de detenção. O texto também prevê que a autoridade possa ser punida com seis a dois anos de detenção, além de multa, caso deixe de se identificar ou se identifique falsamente para o preso no ato de seu encarceramento. Outro artigo estabelece pena de um a quatro anos para quem deixar presos do mesmo sexo confinados juntos.