Folha de Londrina

Balas sabor sorriso

- WALKIRIA VIEIRA, jornalista da FOLHA

A bala de açúcar queimado pode ser reconhecid­a como daquelas criações oriundas da necessidad­e. Sem que houvesse um mercadinho ou venda perto de casa e diante da criançada com vontade de comer um doce, minha mãe inventava umas balinhas por conta própria. Quem já ganhou doce assim, sabe do que é capaz a mãe pela prole e, curiosamen­te, diz o ditado que a necessidad­e é a mãe da invenção.

Ficaram na lembrança as balinhas de açúcar – feitas com muita humildade. O açúcar ia para a panela, esta para o fogo. Rapidament­e, o açúcar – fosse o cristal ou refinado derretia, ganhava cor de caramelo e, sobre a bancada de pedra fria da cozinha, mamãe fazia com uma colher pingos de açúcar tão simétricos quanto brilhantes.

Em volta da mãe, os três filhos de idades bem próximas - formavam a escadinha e observavam o trabalho artesanal da doce mãe. Sem demora, logo o caramelo mudava de estado físico, o líquido ia se solidifica­ndo e endurecia feito pedra. Com uma faquinha de ponta, a mamãe já sabia o ponto de retirar e dava doses iguais para os três filhos saciarem a vontade de um doce.

Numa demonstraç­ão de afeto infinita, a oficina de balas de açúcar teve edições ilimitadas em nossa infância. As idas à cidade para fazer compras eram pouco comuns e as guloseimas escassas. “Não é pra morder, se não pode quebrar o dente”, avisava a mãe que era um pouco fada, um pouco química e logo deixava a panela limpinha e cozinha brilhando.

O doce, ainda que simbólico, é uma lembrança de como minha mãe sempre se virou para fazer mágicas em casa. Os mexidões com as sobras também enchiam a barriga da turminha e ficavam bom com o que tivesse. Arroz, feijão, ovos, carne e o jeito de fazer deveria ser o segredo do prato principal e do dia. Comparo sua resistênci­a e doçura a de mães africanas que, para acalentar seus filhos durante longas viagens a bordo de navios de escravos, rasgavam retalhos de suas saias e a partir deles criavam pequenas bonecas, feitas de tranças ou nós, que serviam como amuleto de proteção. As bonecas, símbolo de resistênci­a, ficaram conhecidas como Abayomi, termo que significa ‘Encontro precioso’. Sem costura alguma apenas nós ou tranças, as bonecas não possuem demarcação de olho, nariz nem boca e entretinha­m.

Nos dias de hoje, a maioria das mães é do tipo multifunci­onal e se divide entre as tarefas domésticas, profission­ais e até se culpam pela ausência. Não há fórmula para ser mãe e nem doses para medir o amor. Da balinha de açúcar que não precisa de embalagem e nada mais que um ingredient­e, fica uma metáfora de como a boa vontade e o querer transforma­m momentos e sentimento­s. Em “Para Sempre” Drummond questiona por que as mães vão se embora, tão dura é sua ausência. Mãe não mede esforços para plantar um sorriso, guarda dores e medos no peito e entrega a Deus suas aflições. Mãe não precisa de data para ouvir o quanto é amada e seja o erro que cometer o filho, acolhe-o, desarmada.

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