Balas sabor sorriso
A bala de açúcar queimado pode ser reconhecida como daquelas criações oriundas da necessidade. Sem que houvesse um mercadinho ou venda perto de casa e diante da criançada com vontade de comer um doce, minha mãe inventava umas balinhas por conta própria. Quem já ganhou doce assim, sabe do que é capaz a mãe pela prole e, curiosamente, diz o ditado que a necessidade é a mãe da invenção.
Ficaram na lembrança as balinhas de açúcar – feitas com muita humildade. O açúcar ia para a panela, esta para o fogo. Rapidamente, o açúcar – fosse o cristal ou refinado derretia, ganhava cor de caramelo e, sobre a bancada de pedra fria da cozinha, mamãe fazia com uma colher pingos de açúcar tão simétricos quanto brilhantes.
Em volta da mãe, os três filhos de idades bem próximas - formavam a escadinha e observavam o trabalho artesanal da doce mãe. Sem demora, logo o caramelo mudava de estado físico, o líquido ia se solidificando e endurecia feito pedra. Com uma faquinha de ponta, a mamãe já sabia o ponto de retirar e dava doses iguais para os três filhos saciarem a vontade de um doce.
Numa demonstração de afeto infinita, a oficina de balas de açúcar teve edições ilimitadas em nossa infância. As idas à cidade para fazer compras eram pouco comuns e as guloseimas escassas. “Não é pra morder, se não pode quebrar o dente”, avisava a mãe que era um pouco fada, um pouco química e logo deixava a panela limpinha e cozinha brilhando.
O doce, ainda que simbólico, é uma lembrança de como minha mãe sempre se virou para fazer mágicas em casa. Os mexidões com as sobras também enchiam a barriga da turminha e ficavam bom com o que tivesse. Arroz, feijão, ovos, carne e o jeito de fazer deveria ser o segredo do prato principal e do dia. Comparo sua resistência e doçura a de mães africanas que, para acalentar seus filhos durante longas viagens a bordo de navios de escravos, rasgavam retalhos de suas saias e a partir deles criavam pequenas bonecas, feitas de tranças ou nós, que serviam como amuleto de proteção. As bonecas, símbolo de resistência, ficaram conhecidas como Abayomi, termo que significa ‘Encontro precioso’. Sem costura alguma apenas nós ou tranças, as bonecas não possuem demarcação de olho, nariz nem boca e entretinham.
Nos dias de hoje, a maioria das mães é do tipo multifuncional e se divide entre as tarefas domésticas, profissionais e até se culpam pela ausência. Não há fórmula para ser mãe e nem doses para medir o amor. Da balinha de açúcar que não precisa de embalagem e nada mais que um ingrediente, fica uma metáfora de como a boa vontade e o querer transformam momentos e sentimentos. Em “Para Sempre” Drummond questiona por que as mães vão se embora, tão dura é sua ausência. Mãe não mede esforços para plantar um sorriso, guarda dores e medos no peito e entrega a Deus suas aflições. Mãe não precisa de data para ouvir o quanto é amada e seja o erro que cometer o filho, acolhe-o, desarmada.