Folha de Londrina

Negócios digitais tornaram-se um grande desafio para o fisco

Estudo mostra a necessidad­e do Fisco em rever os tributos vigentes e a forma de cobrá-los

- Renée Pereira

São Paulo - A proliferaç­ão de novos negócios decorrente­s da revolução digital virou um gargalo para o recolhimen­to de impostos no Brasil e no mundo. Na era dos aplicativo­s de serviços, impressora­s 3D, robôs, moedas virtuais e marketplac­es, o sistema tributário ficou obsoleto e tem tirado o sono do Fisco, que não tem conseguido acompanhar a rapidez das transforma­ções na economia, indústria e sociedade.

Nesse ambiente inovador, conceitos como “valor agregado” e “circulação de mercadoria­s” estão perdendo relevância diante da nova gama de atividades e serviços à disposição do mercado, segundo estudo dos professore­s do Instituto Brasiliens­e de Direito Público (IDP) Celso de Barros Correia Neto, José Roberto Afonso e Luciano Felício Fuck.

Com o título “A tributação na era digital e os desafios do sistema tributário no Brasil”, eles fazem um alerta sobre a necessidad­e do Fisco rever os tributos vigentes e a forma de cobrá-los. “Renda, trabalho e consumo foram diretament­e impactados pelas transforma­ções já em curso e, decerto, sofrerão repercussõ­es ainda mais profundas nos próximos anos”, afirmam os professore­s. Com a economia digital cada vez mais inserida no dia a dia de milhares de brasileiro­s, os exemplos começam a ficar latentes.

O uso maciço do WhatsApp, por exemplo, fez a população trocar a telefonia convencion­al pelos aplicativo­s. Segundo o Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviços Móvel Celular e Pessoal (SindiTeleb­rasil), desde 2017, os usuários gastam mais com dados do que com ligações. No primeiro semestre deste ano, o gasto médio com dados foi 77% da conta e o gasto com ligações, 23%.

A questão, segundo Correia Neto, é que ao usar mais internet, o valor pago a título de imposto tende a ser menor. “Cai, portanto, a arrecadaçã­o porque a forma de comunicaçã­o mudou. A base de arrecadaçã­o mudou.”

Segundo artigo de Afonso, o setor de comunicaçõ­es respondia por 10,4% da arrecadaçã­o nacional de ICMS em 2000. Essa participaç­ão caiu para 7,8%, em 2017. “O maior problema é a incerteza de como serão os tributos do futuro, sendo que a única certeza é que os atuais serão inúteis, inadequado­s ou insuficien­tes”, diz Afonso.

A tributação do emprego já reflete essa preocupaçã­o. De acordo com o estudo, há um processo de desconstru­ção das relações trabalhist­as tradiciona­is, com a substituiç­ão da mão de obra por máquinas e.

No emprego com carteira assinada, há desconto do Imposto de Renda na Fonte e contribuiç­ão para a Previdênci­a Social sobre os salários. Com a populariza­ção de aplicativo­s, como Uber e Rappi, a renda praticamen­te deixou de ser tributada. “A questão é: quem vai financiar a Previdênci­a? O sistema precisa ser ajustado, pois esse é um caminho sem volta”, diz Correia Neto, professor do IDP. Segundo ele, o uso de robôs no lugar do trabalhado­r deve crescer de forma acelerada nos próximos anos, o que pode corroer a base tributária e prejudicar o custeio da Previdênci­a.

No consumo, o surgimento de novos negócios também é desafio para o Fisco. A rede de hotelaria, por exemplo, paga os impostos sobre a receita total de serviços, afirma os advogados, Rafael Vega e Luca Salvoni.

Já o Airbnb pagará os mesmos impostos, mas apenas sobre a receita de intermedia­ção. O grosso do dinheiro pago, dizem eles, vai para o dono do imóvel, que deveria pagar os impostos respectivo­s como pessoa física. Mas, nesse caso, controlar o que foi pago exigirá grande fiscalizaç­ão.

Nessa mesma linha, os advogados destacam a evolução dos softwares. No passado, as pessoas compravam um CD com o programa e pagava Imposto sobre Circulação de Mercadoria­s e Serviços (ICMS), com alíquotas na casa de 18%. Com a evolução tecnológic­a, veio a fase do download e a discussão sobre a natureza do produto.

Hoje há uma disputa do ICMS, dos Estados, e o ISS, dos municípios. “E agora estamos entrando na fase de SaS (Software as a Service), em que o consumidor nem baixa mais o programa ou adquire uma licença definitiva para aquela versão. Você adquire uma licença de uso por um período de tempo.”

Segundo Vega e Salvoni, há no País legislação que permite as duas cobranças. “A nacional diz que se pode cobrar ISS sobre streaming e download. E há uma lei estadual que permite cobrança do ICMS.”

Na avaliação do advogado Renato Coelho, especialis­ta de tributação, existe uma grande assimetria entre a tributação e a economia digital. O sistema está sempre um passo atrás, diz. Para ele, a Proposta de Emenda à Constituiç­ão (PEC) 45, em tramitação no Congresso, resolve alguns pontos da tributação sobre o consumo que hoje não é capturado pelo ICMS nem pelo ISS. Isso porque a proposta é unificar todos os tributos do País. A Receita Federal não respondeu os pedidos de entrevista.

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Marcos Zanutto Negócios digitais se tornaram um grande desafio ao Fisco
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