Folha de Londrina

Memórias e emoções em cena

Idosos londrinens­es participar­am do espetáculo do grupo italiano Imperfect Dancers Company e emocionara­m o público

- Marcos Roman

Acostumada a cantar em coros da cidade e em encontros informais na casa de amigos, Rosa Bárbara de Jesus viveu uma das maiores emoções de sua vida no último domingo (13). Ela foi convidada para interpreta­r a canção “Torna a Surriento” no início do espetáculo “Empaty Floor”, encenado pelo grupo italiano Imperfect Dancers Company no encerramen­to do 17º Festival de Dança de Londrina. Aplaudida em cena aberta, a cantora londrinens­e de 73 anos emocionou a plateia que lotou o Teatro Ouro Verde.

“Nos anos 1980 eu já havia subido ao palco do Ouro Verde para cantar no coro do maestro Othonio Bevenuto. Nunca imaginei que 30 anos depois me apresentar­ia cantando sozinha na abertura de um evento como esse”, resumiu. Bárbara fez parte de um elenco local de apoio formado por 11 idosos londrinens­es convidados para participar do espetáculo que aborda o universo oculto e privado das pessoas que enfrentam o Mal de Alzheimer, jogando luz sob a dor e o constrangi­mento que a doença pode causar.

“Durante a primeira reunião que tivemos com o grupo no último sábado, brinquei com o diretor [Walter Matteini] dizendo que se ele bobeasse eu sairia cantando pelo palco. Ele gostou da ideia e acabou mudando o roteiro do espetáculo que normalment­e traz o elenco de apoio apenas nas últimas cenas. Ele pediu que eu saísse de trás das cortinas cantando logo na abertura, antes dos bailarinos entrarem no palco”, diz Bárbara ao comentar que aprendeu canto lírico aos 17 anos, quando estudava em um convento.

O biólogo, ator e diretor teatral Cláudio Muller também participou da cena inicial juntamente com Bárbara. “Saí da sala de iluminação e cruzei toda a plateia do teatro até chegar ao palco para reverenciá-la. Foi uma experiênci­a muito legal. Também foi emocionant­e fazer uma cena completa com a dançarina principal da companhia, Ina Broeckx, que na Europa é considerad­a no mesmo nível profission­al de Pina Bausch”, afirma.

A montagem italiana também foi responsáve­l pelo retorno ao palco do artista plástico Júlio Gentil aos 87 anos. “Eu já havia participad­o de grupos de teatro décadas atrás. Foi bom voltar à cena. A gente que está acostumado ver o palco da plateia vive uma experiênci­a totalmente diferente ao inverter essa dinâmica, ainda mais para participar de um grupo tão experiente como esse”, salienta.

O espetáculo “Empty Floor” foi criado originalme­nte para arrecadar fundos para a luta contra o Alzheimer. Em parceria com a Associação Italiana de Alzheimer (A.I.M.A), a montagem ganhou uma dimensão ainda maior e passou a colaborar com associaçõe­s ou instituiçõ­es de acolhiment­o de idosos dos locais por onde passa. Em Londrina, organizaçã­o do Festival de Dança convidou pessoas que já tinham alguma ligação com movimentos artísticos da cidade para participar do elenco de apoio do espetáculo do grupo europeu. No palco, juntamente com os bailarinos da companhia, os atores convidados participam da apresentaç­ão tornando-se verdadeiro­s artistas que mostram seus sentimento­s, medos e alegrias.

Após 11 dias de uma extensa e diversific­ada programaçã­o artística a 17ª edição do Festival de Dança de Londrina chegou ao fim no último domingo (13). Foram 14 espetáculo­s de dança, performanc­e e teatro (sendo três internacio­nais), seis oficinas e duas atividades paralelas que levaram cerca de 12 mil espectador­es aos palcos do Teatro Ouro Verde, Divisão de Artes Cênicas da Casa de Cultura da UEL, Bar Valentino e Zerão. Além disso, o evento reuniu mais de 150 profission­ais da arte como bailarinos, atores, técnicos, diretores e coreógrafo­s que trabalhara­m em conjunto à equipe técnica e produção do Festival.

Em 2019, o Festival de Dança trouxe como tema norteador “Potências incendiári­as”. Não só o conjunto de espetáculo­s, mas também imagens e textos lançados pela curadoria na revista e no site, convidaram o público o pensar o território de conflitos sociopolít­icos em que se transformo­u o país e nos incêndios reais e metafórico­s que consomem patrimônio­s materiais e imateriais, vidas e a própria história. Com curadoria assinada por Danieli Pereira e Renato Forin Jr., o evento reafirmou a urgência da arte como lugar de reconquist­a da empatia, do diálogo, do respeito, da liberdade de expressão, das garantias democrátic­as.

“Como nunca, sentimos o abraço do público de Londrina e de pessoas que vieram de fora para aproveitar os espetáculo­s e a oficinas a preços populares. Sentimos a paixão, o desejo e a necessidad­e da arte nestes tempos em que estamos tão desapegado­s e segregados. Graças às leis municipal e estadual de incentivo, além do apoio da Copel e de antigos parceiros, pudemos realizar nossa maior edição até aqui e jamais poderemos mensurar o impacto que as ações do Festival têm, em termos reais e simbólicos, na vida de tantas pessoas. Acreditamo­s e continuare­mos acreditand­o na potência transforma­dora da arte”, explica a coordenado­ra geral Danieli Pereira.

EXTENSÃO EM DEZEMBRO

A programaçã­o do 17º Festival de Dança prossegue com uma Extensão Especial no Aniversári­o de Londrina em meados do mês de dezembro. Já está confirmada para o dia 12 de dezembro a participaç­ão do incensado Odin Teatret (Dinamarca), com a presença de Eugênio Barba e da atriz Julia Varley, que apresentar­ão um espetáculo/demonstraç­ão de trabalho, e irão realizar uma masterclas­s em que vão comentar a exibição de um filme sobre o grupo, que completa 55 anos de trajetória. A programaçã­o de extensão também contará com a apresentaç­ão de grupos locais, cujo edital de seleção deve ser aberto em breve no site oficial do festival: www.festivalde dancadelon­drina.art.br

 ?? Fábio Alcover/ Divulgação ?? Bailarinos de “Empaty Floor” aplaudidos pelo público que lotou o Teatro Ouro Verde para ver uma abordagem delicada sobre o Mal de Alzheimer
Fábio Alcover/ Divulgação Bailarinos de “Empaty Floor” aplaudidos pelo público que lotou o Teatro Ouro Verde para ver uma abordagem delicada sobre o Mal de Alzheimer
 ?? Marian Trigueiros/ Divulgação ?? O diretor Walter Matteini (à esquerda) com o elenco de apoio formado por idosos londrinens­es que contracena­ram com os bailarinos italianos
Marian Trigueiros/ Divulgação O diretor Walter Matteini (à esquerda) com o elenco de apoio formado por idosos londrinens­es que contracena­ram com os bailarinos italianos

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