A leitora que espera a crônica
Sei que, em algum lugar do mundo, alguém espera esta crônica. Deve ser apenas uma leitora que reserva cinco minutos de seu dia para saber o que um cronista decidiu escrever. Na maior parte das vezes, ela se decepciona, mas não desiste. Um dia, talvez, o cronista dirá aquelas palavras que ela está precisando ouvir, que despertariam o segredo mais valioso das profundezas da alma, como a forma desperta o conteúdo, como o dia desperta a noite, como a partitura desperta a música. A leitora não desiste, e o cronista também não. Certa vez, um grande amigo do cronista ouviu, de um completo desconhecido, a seguinte frase: — Minha mãe acabou de morrer.
Talvez a leitora queira saber o que o cronista tem a dizer sobre isso, sobre uma clara de manhã de junho em que abrimos a porta e um estranho nos diz, como se fossem as únicas palavras do idioma:
— Minha mãe acabou de morrer.
A leitora que espera a crônica não sabe quem é a mãe nem o filho, a leitora talvez nem saiba quem é o grande amigo do cronista. A leitora espera uma crônica que ela possa entender e reconhecer como a mãe reconhece um filho no caos do bombardeio. A leitora espera uma crônica que desperte o seu instinto materno, e assim o mundo teria menos uma criança órfã, mesmo que em forma de letras e espaços em branco na tela do computador.
A leitora que espera a crônica, desnecessário dizer, espera o impossível. Se é desnecessário dizer, então, por que dizer? Ora, porque a crônica gosta de dizer exatamente o desnecessário, e aí mora a sua impossibilidade. Impossibilidade e inutilidade que ninguém tem paciência para ver – exceto a única leitora da crônica.
A leitora espera uma crônica que tenha algo para lhe dizer sobre a jornada de trabalho que começa; sobre o gerente que não conhece bulhufas do serviço; sobre o casal de mendigos que dorme na Rua La Paz; sobre o cavalo doente que está apanhando do dono; sobre o cachorro que tem saudade. A leitora espera uma crônica sobre a leitora que espera a crônica.
É para essa leitora que eu escrevo, embora não saiba seu nome, nem sua profissão, nem seu endereço. Embora talvez nunca venha a saber quem ela é. Embora, meu Deus, às vezes me atormente a ideia, bastante lógica, de que ela não existe.
Talvez a leitora espere que eu fale sobre a musiquinha que tocava aos domingos no Fantástico (“Olhe bem / Preste atenção...”). A chatice dos sapatos que engolem as meias é outro assunto que a leitora apreciaria ver na crônica. Espera que eu fale do Tio Patinhas, milhardário de Patópolis. Ou, ainda, que eu lembre as tardes de julho na Alameda Barão de Limeira, quando morávamos no primeiro andar, em cima da lavanderia.
Por isso, por isso tudo, a crônica existe. Existe para ser esperada, para decepcionar, para voltar à carga. Na verdade, ninguém sabe por que a crônica existe, por que continua sendo escrita. Quem sabe, a leitora da crônica tenha desaparecido para sempre, junto com a frase daquele homem desconhecido:
— Minha mãe acabou de morrer.