Folha de Londrina

PELÍCULA CURATIVA

Membrana derivada de celulose bacteriana pode ser utilizada no tratamento de queimadura­s e até para reduzir rejeição a implantes

- Vítor Ogawa

Material desenvolvi­do na UEL poderá ser usado no tratamento de queimadura­s, recuperaçã­o de radioterap­ias e redução de rejeição de implantes. Membrana é derivada de celulose bacteriana.

A UEL (Universida­de Estadual de Londrina) é um dos poucos centros de pesquisa no Brasil que desenvolve trabalhos de produção de membranas derivadas da celulose bacteriana. A grosso modo, trata se de uma película que pode ser utilizada no tratamento de queimadura­s, recuperaçã­o detratamen­to radioteráp­ico e também para reduzira rejeição de implantes que substituem ossos ou cartilagen­s.

O professor Cesar Augusto Tischer, do Departamen­to de Bioquímica e Biotecnolo­gia, do Centro de Ciências Exatas (CCE) da UEL, explica que por meio de cultivo em laboratóri­o é possível produzir películas que formam um material com propriedad­es curativas. O nome científico da bactéria utilizada nopr oc essoéG lu cona cetobacter­xy linus, queéfacil mente encontrada em uvas.

“Podemos utilizar essas membranas em feridas, como a radioderma­tite, que são aquelas provocadas pelo processo de radioterap­ia. Ou para tratamento de queimadura­s em geral”, destaca. Ele explica que isso é possível porque a nanocelulo­se produzida pela bactéria gera uma estrutura muito fina e delicada e de tamanho reduzido. “Chamamos isso de nanoestrut­ura, que é bastante resistente. Isso significa que ela possui massa pequena e capaz de carregar uma grande quantidade de água. Nada melhor do que água para hidratar. O percentual de água nessa membranaé de 99%, oqueé ideal para tratar queimadura­s”, explica.

RECUPERAÇíO

Futurament­e esse biofilme pode ser utilizado na recuperaçã­o de ossos e cartilagen­s. “Para reconstrui­r uma orelha, por exemplo, é possível imprimir estruturas tridimensi­onais com material biodegradá­vel, que são rejeitados pelo corpo. Os espaços vazios são preenchido­s com essa nanocelulo­se e aí as células da pele passam a gostar bastante e crescem em volta dessa estrutura, eliminando essa rejeição. Da mesma forma isso pode ser feito com um maxilar impresso em 3D”, detalha o docente.

O projeto de pesquisa para isso já está em andamento e conta com a participaç­ão de professore­s, alunos de iniciação científica e de programas de mestrado e doutorado. Para que seja testado em humanos, é preciso realizar testes em ratos e suínos primeiro.

O projeto de pesquisa termina em 2021 e as perspectiv­as são animadoras. Segundo ele, se houver fluxo de investimen­tos, isso será possível fazer por aqui em um horizonte de seis a 10 anos, dependendo do aporte de recursos. “Temos buscado apoio para o desenvolvi­mento em empresas locais, sabendo que já é uma realidade em países em que essa pesquisa já começou há mais tempo. Chegou a nossa vez de oferecer esse tipo de conhecimen­to para a sociedade”, afirma.

O professor explica que o cultivo da película em laboratóri­o pode demorar cinco dias, mas para reconstrui­r uma orelha, por exemplo, são necessário­s dois meses para criar o volume necessário de células e, consequent­emente, criar uma pequena camada. “Isso é um dos limitantes da técnica de cultura de tecidos. As células humanas são bem mais lentas e mais frágeis, mas pela técnica que escolhemos podemos fazer implante a partir de uma injeção inicial de células do próprio paciente. São elas que vão ocupar esse espaço vazio”, destaca.

“É difícil dizer o quanto custa uma pesquisa como essa. Eu conheço empresa no exterior que que recebeu aporte de US$ 1 milhão para desenvolve­r a mesma coisa, ou seja são R$ 5 milhões para desenvolve­r um sistema completo. Quem entrar nesta onda estará pronto para o mercado que existirá em um horizonte de 15 a 30 anos”, explica.

Questionad­o se a evolução dessa pesquisa poderia ser órgãos humanos funcionais no futuro, ele explicou que a criação de material constituti­vo que estrutura pele, ossos e tecidos evoluiu muito. Porém, a de órgãos funcionais como rim, fígado, pâncreas e coração é algo mais difícil. “É uma tecnologia que precisa evoluir bastante, mas válvulas cardíacas já têm sido feitas e é uma tecnologia que é entregue como produto no exterior”, destaca.

TESTES CLÍNICOS

Baseado na propriedad­e da nanocelulo­se, Sabrina de Oliveira, mestre em Biotecnolo­gia pela UEL, teve um projeto selecionad­o pelo Programa Sinapse da Inovação Paraná, executado pelo governo do Estado, por meio da Celepar e Fundação Araucária. Ela está entre os 100 projetos aprovados na terceira e última etapa do programa. A seleção está em fase de recursos e o resultado final será divulgado ainda este mês.

A proposta é fabricar um produto “à base de celulose bacteriana úmida para proteção e regeneraçã­o de pele, que agrega a tecnologia de rede nanoestrut­urada de celulose”. “O projeto visa financiar os testes clínicos para conhecer e validar esse produto para dermatite”, afirma Oliveira, que é ex-aluna professor Cesar Augusto Tischer.

APOIO PRIVADO

Tischer convoca as empresas privadas a investirem na pesquisa científica de base para desenvolve­r produtos como esse. Ele resolveu pesquisar o assunto depois que foi professor visitante no Canadá. “Lá era só entrar no laboratóri­o e fazer. Aqui a gente tem que construir todo o processo e convencer de que é uma boa ideia. Eu entendo que a pesquisa sobre o assunto aqui está em um momento diferente em relação ao exterior”, destaca.

“Claro que a gente precisa ter um aporte público de recursos, mas é preciso que as empresas entendam o papel da pesquisa básica como uma ferramenta de ganho de tecnologia para suas operações”, observa. Ele compreende que o momento para o desenvolvi­mento em pesquisa está difícil, mas acredita que agora é a hora de se criar uma parceria mais próxima com o setor produtivo. “Temos nos qualificad­o para conversar e entender as demandas para dizer o que sei fazer para que eles possam aproveitar esse conhecimen­to”, afirma.

Ele relata que o laboratóri­o já possui uma parceria com uma startup, que financia parte da pesquisa. “A curto prazo estamos trabalhand­o esse material como cosmético”, conta. “Estamos buscando parcerias para viabilizar isso. Daqui a dez anos, se alguém precisar de um tecido para se recuperar, poderemos ajudar. No curto prazo estamos atendendo as demandas de desenvolvi­mento tecnológic­o”, destaca.

“Quem entrar nesta onda estará pronto para o mercado que existirá em um horizonte de 15 a 30 anos”

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Ricardo Chicarelli
 ?? Ricardo Chicarelli ?? Professor Cesar Tischer explica que futurament­e esse biofilme pode ser utilizado na recuperaçã­o de ossos e cartilagen­s
Ricardo Chicarelli Professor Cesar Tischer explica que futurament­e esse biofilme pode ser utilizado na recuperaçã­o de ossos e cartilagen­s

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