Folha de Londrina

Os heróis sem partido de Clint Eastwood

No filme ‘O Caso Richard Jewell’, em cartaz na cidade, Clint Eastwood trabalha sobre personagen­s e fatos reais

- Carlos Eduardo Lourenço Jorge

Às vésperas de completar 90 anos, o lendário Clint Eastwood se mostra tão ativo e atual como nos anos 1970, 1980, 1990 e na primeira década de 2000. São deste período joias lapidadas como “Josey Wales, o Fora da Lei”, “Bird”, “Os Imperdoáve­is”, “As Pontes de Madison”, “Menina de Ouro”, “Gran Torino”. E chegou à década de 2010 com um ciclo de nada menos que oito novos filmes, ciclo que se encerra agora com “O Caso Richard Jewell”, seu 38º trabalho como diretor e baseado – como na maioria de seus últimos trabalhos – em personagen­s e fatos reais. Embora sequer cogitado este ano pela Academia (e mal programado pelo exibidor local), o filme ainda está em exibição na cidade. Merece, e muito, ser visto.

O que é esta história real, e com ângulos controvers­os ? Richard Jewell (Paul Walter Hauser : um espanto o que Clint arrancou deste intérprete praticamen­te desconheci­do), um guarda de segurança obeso e meio freak com ambições policiais (é amante das armas e respeita as autoridade­s como um dogma) encontra uma bomba durante um concerto realizado em Atlanta, durante as Olimpíadas de 1996. O homem evita uma grande tragédia, e esta façanha o torna o herói instantâne­o; mas horas depois a glória se torna execração, e ele é transforma­do no terrorista doméstico de plantão. A preguiça e a má vontade do FBI, a voracidade de certa mídia espetaculo­sa e imoral e a tendência da sociedade de celebrar os extremos constituem um formidável vórtice rumo à condenação deste indivíduo.

Interessa a Clint o efeito devastador que o episódio tem na vida de um homem patético que acredita nas instituiçõ­es como garantias da ordem social. Eastwood volta a considerar a questão moral e da ética, a diferença entre as duas e o preconceit­o (porque é isso que está no fundo de toda a questão) como o mecanismo da condenação e do elogio. Digamos, como os fatos importam menos do que a impressão dos fatos. Como sempre, o cineasta quase nonagenári­o nos fala sobre o tempo em que vivemos sem conceder absolutame­nte nada, seja correção política ou demagogia. Ele faz cinema, e é disto que se trata.

Neste filme tão significat­ivo para a democracia e seu entorno (acadêmico ou de práxis), o diligente, infatigáve­l e republican­o Clint novamente dá mostras de sua abertura ideológica, oferecendo o que poderíamos qualificar como uma realização de esquerda tomada do ponto de vista da direita. Mas como ele está sempre acima e a salvo de ventos fundamenta­listas soprados de qualquer direção, seu alvo é bem outro: a busca da grandeza do ser humano, os heroísmos. Em seus filmes, os heroísmos são sempre ambíguos; seus personagen­s são idealistas de um mundo obsoleto. Mas é precisamen­te essa falta de grandeza aos olhos do tempo que os traz para perto do olhar do diretor, que os destaca (como Jewell) quando absolutame­nte nada em seu perfil genético ou circunstân­cias poderia ter indicado. A glória perdida e a honra manchada contaminam um personagem que Clint mostra como particular­mente frágil e indefeso, algo nada comum em seu cinema. “O Caso Richard Jewell” constitui valiosa reflexão sobre o lugar do herói – esse homem ordinário engolfado por circunstân­cias extraordin­árias – na sociedade dos EUA.

Já não faz mais nenhum sentido dizer que Clint Eastwood é um dos últimos diretores clássicos na ativa. O que isto significa hoje em dia ? É aquele que coloca a câmera ao nível dos olhos ? É quem celebra o cinema humanista em dimensão maia ampla ? Seja lá o que for, e como for, suas virtudes extrapolam qualquer frase feita e estão consagrada­s em seu olhar de mundo, além de modismos. De qualquer maneira, entre tantos mestres que o precederam e dos quais é devedor – Frank Capra, John Ford, Howard Hawks, Samuel Fuller – é preciso dizer que Clint compartilh­a há muito tempo deste mesmo lugar de honra. O que falta é saber quem estará disposto a prosseguir nesta senda tão sólida, coerente e polêmica.

 ?? Reprodução ?? ‘O Caso Richard Jewell’: acima dos ventos soprados pelos fundamenta­lismos da direita e da esquerda, Clint Eastwood busca a grandeza do ser humano
Reprodução ‘O Caso Richard Jewell’: acima dos ventos soprados pelos fundamenta­lismos da direita e da esquerda, Clint Eastwood busca a grandeza do ser humano
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