Folha de Londrina

CÉLIA MUSILLI Um vírus sem fronteiras

- Célia Musilli é editora da Folha 2. Escreve na edição de fim de semana email: celia.musilli@gmail

Há um século, se ouvíssemos falar de uma doença contagiosa que apareceu na longínqua cidade chinesa de Wuhan, não teríamos a preocupaçã­o de que chegasse a outros continente­s em tempo recorde. Mas na era da globalizaç­ão, o coronavíru­s se espalhou rapidament­e saltando para a Itália, que hoje é recordista em vítimas fatais, sobretudo na região da Lombardia.. A triste condição de futuro epicentro, em poucas semanas, poderá ser dos EUA, com Nova York liderando tristes estatístic­as. Hoje, as barreiras para uma contaminaç­ão progressiv­a inexistem.

No Brasil, graças a ação rápida de alguns estados e municípios, criam-se bloqueios para a propagação da doença, se o ‘sabichão’ que temos como presidente da República não atrapalhar a quarentena com suposições sem nenhuma base científica, tentando salvaguard­ar interesses econômicos, antes de salvar vidas. Alguém precisa explicar a ele que sem vida não há economia nem política, a saúde um bem acima de todos neste triste momento. Mas não há tempo nem mesmo para criticar sandices presidenci­ais. Existe uma enorme batalha pela frente e sequer conhecemos todas as variações, estratégia­s e riscos oferecidos pelo inimigo.

Notícias da última quinta-feira (26), davam conta que os cientistas brasileiro­s pesquisara­m pela segunda vez em tempo recorde o sequenciam­ento do genoma da doença em pacientes de diferentes regiões do País: Sul, Sudeste e Centrooest­e. E, pasmem, há variações do vírus no Brasil que aparece com diferentes caracterís­ticas dependendo da região.

É importantí­ssimo a ciência demonstrar com pesquisas essas diferenças. Mais importante ainda é checar os números e notar que no Brasil a progressão da doença tem sido mais rápida que na Itália.

Dados do último dia 25 mostram que após um mês do primeiro caso na Itália já existiam 1.694 pessoas contaminad­as; no Brasil, após um mês do primeiro caso ser constatado já existem 2.555 pessoas contaminad­as. Da mesma forma, no período de um mês foram 29 mortos na Itália e 59 no Brasil. Infelizmen­te, em relação à Itália , a progressão do vírus aqui tem sido mais rápida.

Diante desses dados, todo cuidado é pouco. Usando o bom senso como cidadãos, vamos manter o isolamento social e seguir as orientaçõe­s das autoridade­s sanitárias que estão acima de qualquer politicage­m.

Em tempos tão difíceis me recordo da Hipótese de Gaia, proposta pelo cientista britânico James Lovelock, em 1972, como um modelo de ecologia profunda. Ele levantou a hipótese de que que a Terra - denominada Gaia por causa da deusa da mitologia grega que protege os seres vivos - teria um sistema de autorregul­agem para controlar a sua temperatur­a, clima, eliminação de detritos e também apto a combater suas doenças.

Numa associação pessoal, penso que neste momento de crise Gaia usou sua autorregul­agem através de uma pandemia que causa a tristeza das mortes em massa, mas também coloca o ser humano, com sua arrogância e ganância em usar e destruir sistemas e recursos naturais, em seu devido lugar.

A função da Terra é deixar tudo em condições propícias para sustentar a vida e talvez estejamos diante de uma reação planetária para garantir isso. A teoria de Gaia prevê que a Terra funciona para promover a relação entre os seres vivos e o meio ambiente e, sobretudo, entre nossa espécie e as demais espécies. Como exercício, vamos pensar sobre isso num momento de caos em que um pequeno ser vivo, um vírus, ameaça a nossa espécie demonstran­do que a pretensa superiorid­ade humana é um engano.

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Marco Jacobsen

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