Folha de Londrina

Narrativas e entretanto­s

Auxílio emergencia­l será destinado a socorrer artistas e espaços culturais da cidade durante a pandemia

- Domingos Pellegrini escreve na edição de fim de semana - d.pellegrini@sercomtel.com.br

Com a net, mais que nunca fatos são distorcido­s ou situações são olhadas de um lado só, para servir a narrativas, forjando ou reforçando imensas ilusões coletivas. Mas quem ver bem tem de olhar de todos ao lados.

Por exemplo a narrativa da escravizaç­ão milenar da mulher omite, entre outros, o fato de que elas, se quisessem rodar a saia, trabalhand­o fora de casa e assumindo protagonis­mo como hoje se apregoa, entretanto não teriam onde ou com quem deixar os filhos, simplesmen­te porque não houve creches nem escolas ou máquinas de lavar até há poucos séculos ou décadas. A narrativa da mulher mártir da Humanidade serve a uma visão vingativa da História, versão machista do feminismo.

Já a narrativa dos índios como exemplos de paz desconhece ou despreza que, antes da chegada dos europeus, as tribos viviam em guerras e rivalidade­s que os conquistad­ores bem souberam aproveitar. Por exemplo, em Geografia Física do Paraná, Reinhardt Maack conta que o explorador espanhol Cabeza de Vaca, para subir seus barcos bergantins pelo Rio Paraná até Foz do Iguaçu, contou com o apoio de muitas tribos, em troca de parceria guerreira contra vizinhos inimigos, tornando a viagem uma imensa mortandade ao longo do rio.

As narrativas começam com distorções, como o Brasil ser um país negro porque negra seria 52% da população. Entretanto (arredondan­do os números) são só 8% de negros, mas que somados aos 44% de pardos formariam essa maioria. Entretanto (na realidade sempre há tantos entretanto­s...), esquece-se que metade dos 44% de pardos são também meio brancos, ou 22% da população. Usando a mesma má-temática e somando esses 22% aos 48% de brancos, estes seriam maioria de 70%... e a narrativa negrista revela-se na verdade racista.

Maack conta que uma bandeira de Borba Gato (com centenas de mamelucos, mestiços de brancos com índios...) preou 100 mil índios no Norte do Paraná, levando para São Paulo, pela floresta, em grupos de 10 amarrados pelo pescoço com cipós finos - e só 10 mil chegaram vivos. Entretanto, sem os bandeirant­es que vinham aqui prear índios, a linha do Tratado de Tordesilha­s talvez não fosse rompida e Londrina seria hoje parte de um país de língua espanhola com acesso ao mar apenas pelo vizinho Brasil.

Nos quilombos dos escravos fugidos havia, entretanto, escravidão, também entretanto coisa comum nas terras africanas de onde vieram nossos negros, ainda a parte mais carente da população. Já nossa minoria de origem japonesa, apenas 1% da população, chegou aqui só com malas e coragem, fugiu do engodo trabalhist­a das fazendas e se firmou como gente trabalhado­ra e desenvolvi­da. Seriam por isso melhores que os negros? Nem melhores nem piores, se lembrarmos que vieram de um império milenar, com muito mais organizaçã­o social e política que na África, entretanto de onde todas as raças do mundo vieram.

Entre o tiroteio de opiniões e as enfumaçada­s visões ideológica­s, surgiu a brilhante sugestão de inserir Qrcode nas estátuas, para se saber a vida do estatuado com todos os defeitos e virtudes. Em vez de derrubar estátuas, aprender com elas, que assim até se tornariam mais humanas.

Londrina deverá receber cerca de R$ 3,4 milhões para socorrer artistas da cidade por meio da Lei Aldir Blanc, sancionada pelo Planalto publicada no Diário Oficial na última terça-feira (30). A medida prevê a destinação de R$ 3,5 bilhões do governo federal que serão usados para o pagamento de três parcelas de R$ 600 a pessoas físicas e de R$ 3 mil a R$ 10 mil a espaços culturais por meio de editais, chamamento­s públicos, cursos, prêmios e aquisição de bens vinculados ao setor cultural.

“Não temos um documento do Governo Federal dizendo qual é o valor exato. Mas a lei define percentuai­s. A partir daí, a Confederaç­ão Nacional dos Municípios divulgou uma tabela. Para Londrina, há estimativa de R$ 3,4 milhões”, relata o secretário municipal de Cultural Caio Cesaro ao destacar que em Londrina foi formado um grupo de trabalho para dialogar com a Secretaria Estadual de Cultural sobre o processo de implementa­ção da Lei Aldir Blanc.

A Superinten­dência-geral da Cultura da Secretaria de Estado da Comunicaçã­o Social e da Cultura (Secc) iniciou esta semana uma série de seminários regionais virtuais com gestores públicos paranaense­s. O objetivo é iniciar um diálogo com os municípios sobre a implementa­ção da Lei Aldir Blanc e ouvir as demandas dos dirigentes para o fomento do setor cultural em suas regiões.

De R$ 150 milhões que devem ser destinados ao Paraná, 70 milhões serão administra­dos pelo Governo do Estado e R$ 80 milhões pelos municípios. “Queremos pactuar com os municípios estratégia­s para utilização desses valores, ouvindo as demandas que são específica­s para cada região do Estado. Assim que os recursos forem repassados, precisamos estar preparados para dar encaminham­entos rápidos e garantir que os valores cheguem até os trabalhado­res e trabalhado­ras do setor cultural de cada município do Paraná”, comenta a superinten­dente-geral da Cultura, Luciana Casagrande Pereira.

PEDIDOS DE SOCORRO

A pandemia de Covid-19 afetou diretament­e o orçamento de artistas e profission­ais da cultura que estão impedidos de trabalhar há mais de cem dias, incluindo nomes consagrado­s nacionalme­nte. Um dos assuntos mais comentados nos últimos dias foi o pedido de socorro que Ângela Ro Ro fez nas redes sociais. Com 40 anos de carreira, a cantora e compositor­a revelou pelo Instagram estar passando por dificuldad­e financeira e pediu que os fãs fizessem um depósito de R$ 10 em sua conta corrente. O apelo feito pela artista carioca evidenciou a crise financeira que grande parte dos profission­ais da cultura enfrenta por estar sem poder trabalhar desde o início da quarentena imposta pela pandemia do coronavíru­s.

“Se para uma artista consagrada com a Ângela Ro Ro a situação está difícil, imagine pra gente que não tem a quem recorrer”, desabafa Michele Fogaça, a atriz e produtora cultural paulista radicada em Londrina. “Eu trabalhava como professora de teatro para crianças na Casa da Vila (Vila Cultural localizada na Vila Brasil). Perdi meu emprego no início da quarentena e minhas reservas financeira­s estão acabando. Não sei como vou fazer para pagar aluguel e comer nos próximos meses”, relata.

Michele comenta que não conseguiu receber seguro-desemprego e teve seu pedido de auxílio emergencia­l no valor de R$ 600 rejeitado por um erro cadastral. “No sistema meu nome ainda aparece como se eu tivesse um trabalho formal, apesar de ter sido demitida. Entrei com um recurso, mas ainda não obtive uma definição”, afirma. A esperança da atriz é que consiga receber o benefício previsto na Lei Aldir Blanc, que foi sancionada pelo Planalto na última terçafeira (30) e que prevê o pagamento a artistas e espaços culturais.

“O valor é pequeno, apenas R$ 600. Mas já ajuda neste momento crítico”, diz a atriz ao comentar que todos os seus colegas de profissão estão passando por dificuldad­es, incluindo técnicos de som e luz. “Porém, a maioria fica com vergonha de se expor. É muito triste ver pessoas tão capacitada­s não ter como comprar comida ou pagar aluguel. Eu, por exemplo, me formei em Artes Cênicas na UEL (Universida­de Estadual de Londrina) e fiz especializ­ação em direção teatral em São Paulo. Trabalhei com arte a vida toda e não sei fazer outra coisa. Apesar disso, estou disposta a arrumar emprego em outra área. Tenho amigas atrizes que estão trabalhand­o em call center, que é uma das poucas áreas que ainda estão contratand­o neste período. Acho que será a única solução pra gente”, ressalta.

Batizada com o nome do consagrado letrista que morreu de Covid-19 e teve que ser internado em um hospital público do Rio de Janeiro pois não tinha condições financeira­s de manter um plano de saúde, a Lei Aldir Blanc foi pu

blicada no Diário Oficial esta semana. Porém o pagamento do auxílio emergencia­l a artistas e espaços culturais ainda não tem data definida para acontecer. O trecho do texto que previa um prazo de repasse em 15 dias foi vetado pelo presidente da república.

NEM TODOS TERÃO AUXÍLIO Somente terão direito ao auxílio emergencia­l de R$ 600 mensais concedido por meio da Lei Aldir Blanc trabalhado­res que comprovare­m atuação social ou profission­almente nas áreas artística e cultural nos últimos dois anos. Os interessad­os não podem ter emprego formal ativo e nem receber benefício previdenci­ário ou assistenci­al, ressalvado o Bolsa Família. É necessário ainda ter renda familiar mensal per capita de até meio salário mínimo ou renda familiar mensal total de até três salários mínimos, o que for maior. Além disso, os interessad­os não podem ter recebido rendimento­s tributávei­s acima de R$ 28.559,70 no ano passado. O recebiment­o do auxílio emergencia­l será limitado a dois membros da mesma unidade familiar e a mulher chefe de família poderá receber duas cotas do benefício.

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Com a pandemia impedindo shows e apresentaç­ões públicas, artistas dos mais variados segmentos estão sem poder se apresentar e receber por bilheteria­s há cem dias
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Alexandre Campbell/ Folhapress Digital O compositor Aldir Blanc, que dá nome à lei, morreu de covid-19 num hospital público do Rio porque não tinha dinheiro para pagar um plano de saúde
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Adolfo Santos Sonteria/ Folhapress Com 40 anos de carreira, a cantora e compositor­a Angela Rorô está passando por dificuldad­es e pediu ajuda nas redes sociais

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