Folha de Londrina

Brasil está há séculos em estado de emergência

- Célia Musilli é editora da Folha 2. Escreve na edição de fim de semana email: celia.musilli@gmail

Leio que em Guarapuava (PR), começa neste mês de julho uma pesquisa que consiste no mapeamento genético de pessoas contaminad­as pela covid-19. Realizada por pesquisado­res do IPEC - Instituto para a Pesquisa do Câncer – junto com outras instituiçõ­es, ela se destina a identifica­r alguns enigmas que cercam a doença, como o fato de jovens sem histórico de comorbidad­es não resistirem à covid, enquanto idosos, considerad­os do grupo de risco, muitas vezes sobreviver­em.

Os esforços da ciência não tem limites, enquanto o individual­ismo e os interesses mercantili­stas de alguns os colocam num plano que nem parece deste planeta. A covid tem mobilizado governos em todo mundo que cumpriram quarentena­s rígidas nas fases de grande contaminaç­ão. Por isso, é no mínimo estranho que o avanço da doença no Brasil, que até a última quintafeir­a somava mais de 60 mil mortos, não sensibiliz­e camadas da população por uma questão de desconheci­mento ou ideologia.

O negacionis­mo desacredit­a dos números, olha com desdém as estatístic­as e desrespeit­a famílias em luto. No Paraná, já são muitas famílias que perderam pais e mães, filhos e netos. Neste cenário, sob o ponto de vista da proporcion­alidade da população, Londrina e Cornélio Procópio são as cidades com maior índice de mortes, segundo informaçõe­s da Secretaria de Saúde do Paraná.

Enquanto muitos perguntam: “como fazer quarentena pondo em risco a economia?” Penso que a economia, o empregador e o empregado só fazem sentido quando há vida, razão pela qual lutamos cotidianam­ente. Razão pela qual devemos nos preservar em casos de contaminaç­ão em massa.

Neste momento de risco de vida, acredito que um país com tantos recursos naturais e commoditie­s poderia fazer o dever de casa com suas riquezas, destinando à população pobre um auxílio emergencia­l que não tenha dias contados.

Nesta crise, vi poucas ações solidárias fora do campo que já consolidou seu trabalho social: como alas de igrejas, ONGS e movimentos populares como o MST, cuja atitude de levar toneladas de alimentos orgânicos às periferias de Londrina, há duas semanas, é digna de respeito. E para entender isso não precisa ser “comunista”, basta ser humanista.

Na contrapart­ida, não vi ainda movimentos de exportador­es de boi e soja. Ao que me consta, eles não levaram ainda nem um quilo de carne às periferias brasileira­s. Máscaras, álcool em gel, produtos de limpeza e alimentos têm sido fornecidos pelos remediados aos mais pobres ainda.

Até agora, não vi movimento do Congresso e do Senado para desistir de regalias, como o bilionário Fundo Eleitoral, para socorrer brasileiro­s. As últimas notícias eram ainda sobre como dividir um bolo de R$ 2 bilhões, cujas maiores parcelas foram destinadas ao PT, PSL e PSD. Alguém precisa avisar a esses senhores que a população não está interessad­a em horário eleitoral na TV, tampouco em comícios, folders e “santinhos” destinados a entupir bueiros. Da mesma forma, alguém precisa avisar ao governo federal que a população não está interessad­a em propaganda institucio­nal, como aquela que tiraria recursos da ordem de R$ 84 milhões do Bolsa Família para serem investidos em publicidad­e do Brasil Pátria Amada.

O momento é de preservar a população com auxílios emergencia­is que deveriam durar muito além da pandemia, porque o brasileiro­s estão há séculos em estado de emergência. Políticos não precisam de auxílio para pagar aluguel em Brasília, passagens de avião ou comprar paletó. A população precisa de um auxílio que se chama Renda Básica Universal para garantir a vida que, neste momento, consiste em saúde, arroz e feijão no prato, de preferênci­a com um bife e um ovinho frito.

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